Radiografia política de 180 dias

Não é uma foto fixa. O executivo cumpre seis meses, um período demasiado breve para ilações. Mas existem linhas dominantes, estilos consolidados e tarefas encomendadas no gabinete dirigido por António Costa. O PÚBLICO analisou a sua acção e função. Segue-se a radiografia política destes 180 dias.

Foto

Em análise estão 17 ministros e um secretário de Estado, portanto à margem do tradicional desenho de um executivo. O que equivale a uma preocupação não meramente organizacional, mas de função política. Pedro Nuno Santos, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, é quem irrompe neste mapa de influência.

A divisão em seis itens dos protagonistas corresponde, assim, a uma hierarquização política que vai dos integrantes da “linha da frente” aos “contestados”, que contempla “valores seguros” e “surpresas”, e que alberga “discretos” e “incógnitas”. São categorias de um momento que reflectem os primeiros passos do executivo.

Tal não exclui a mobilidade. A história do XXI Governo constitucional não se escreve aos seis meses. Quem neste primeiro compasso aparece com referência apagada, de dúvida ou em causa pode vir a ter desempenho diferente. Do mesmo modo, os que agora estão em alta não têm garantida a sua notoriedade futura.

A condicionante que marcará este percurso é a agenda política. Bastará um momento diferente - os ministros têm também as suas circunstâncias – para tudo alterar. Convém não esquecer que a fluidez dos acontecimentos e do mundo é um magma de imprevisão. A consolidação da imagem do executivo ou de qualquer dos seus membros apenas pela política interna é uma miragem. E esta é a variável que nem a sagacidade, experiência ou a habilidade política poderão controlar.

Linha da Frente

Foto

Qualquer Governo tem figuras de combate. Pelas características pessoais – belicosidade dialéctica – e função política. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, tem estado no palco da coordenação da maioria de esquerda, lubrificando a engrenagem do que a crítica de direita apelida de “geringonça”. Com notável sucesso, fazendo valer a sua experiência política de antigo secretário-geral da JS e de deputado. 

Foto

José Vieira da Silva, ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que já esteve nesta pasta no primeiro executivo de José Sócrates, e foi titular da Economia, Inovação e Desenvolvimento no anterior Governo socialista, tem pleno direito à primeira linha. Cabe-lhe a tradução social, na concertação dos parceiros sociais, dos acordos de 10 de Novembro do ano passado que levaram à constituição da actual maioria. As reversões das políticas sociais do Governo de Passos Coelho foram o seu primeiro caderno de encargos.

Foto

Com tradição de “malhar na direita” – função que jocosamente reivindicou para si com Sócrates como líder – Augusto Santos Silva tem ido além do desempenho de ministro dos Negócios Estrangeiros. Nem sempre o chefe da diplomacia pára nas estações da política interna, o que Santos Silva tem feito amiúde. E com alguma dose de pragmatismo quando, por exemplo, adverte que só cumprida a meta dos 3% e com o país finalmente saído do processo de défice excessivo haverá margem para políticas sociais. Um claro recado aos apoios à esquerda, aos quais saúda pela inteligência e compreensão políticas.

Valores seguros

Foto

Estão num plano diferente do anterior. O seu combate passa pelas decisões. Maria Manuel Leitão Marques voltou à Modernização Administrativa que, entre 2005 e 2011, encabeçara como secretária de Estado e coordenadora do Programa Simplex. Conhecedora do dossiê, deu-lhe agora novo impulso, no que é uma das paixões do executivo de Costa, ao nomeá-la ministra da Presidência.

Foto

Pedro Marques, titular do Planeamento e das Infraestruturas, tem na sua agenda os fundos comunitários, de capital importância para o país e para o desenho das políticas governamentais. O antigo secretário de Estado da Segurança Social de Vieira da Silva e obreiro da reforma da Segurança Social do executivo de António Guterres, esteve também envolvido na reversão da privatização total da TAP.

Foto

Diferente é o perfil de Eduardo Cabrita, ministro-Adjunto. Amigo de Faculdade do primeiro-ministro, foi sempre seu colaborador próximo – como secretário de Estado da Justiça (1999 e 2002) e da Administração Local, de 2005 a 2009, estando no seu círculo íntimo. É um homem de confiança

Foto

É o conhecimento dos temas que preside à inclusão nesta categoria de Luís Capoula Santos, ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, e de Adalberto Campos Fernandes, titular da Saúde. Ambos são homens dos sectores que tutelam. Capoula dos Santos, que já fora secretário de Estado e ministro da Agricultura com Guterres, teve aliás um labor destacado como relator do Parlamento Europeu – foi eurodeputado na década de 2004 a 2014 – para as reformas da Política Agrícola Comum.

Foto

Do mesmo modo, Campos Fernandes é respeitado na sua área. É ministro da Saúde com currículo como especialista de Saúde Pública, doutorado em Administração da Saúde e a aplicação prática destes conhecimentos: foi gestor de topo dos hospitais de Santa Maria, Pulido Valente, Cascais, do Centro Hospitalar Lisboa Norte. A sua chegada a uma das pastas tradicionalmente mais complexas e com maior exposição mediática foi bem recebida pelos agentes do sector. Se o ministro da Agricultura, com vasta tradição socialista, já tinha peso político, o titular da Saúde ganha-o pelo conhecimento da área que tutela.

Incógnitas

Foto

É uma categoria híbrida, que tanto pode desembocar numa revelação ou acabar em decepção. São as contingências que determinarão o futuro. É este o caso do ministro das Finanças. É bem verdade que Mário Centeno tem dado a cara, tanto no hemiciclo de São Bento como no ambiente bem mais hostil de Bruxelas. Expôs-se, também e inevitavelmente, com as previsões do Orçamento de Estado e com o Programa de Crescimento. Não está em causa a preparação para o cargo deste doutorado em Economia pela famosa Universidade de Harvard, catedrático no lisboeta ISEG [Instituto Superior de Economia e Gestão] e antigo director-adjunto do departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal. O que determinará a sua razão é a volátil execução orçamental, feita dos mais variados condicionalismos. Alguns dos quais, há que recordar, nem Centeno nem nenhum seu colega europeu das Finanças pode controlar. É o risco da pasta.

Foto

A variável portuária, ou seja, o futuro da exploração do porto de Lisboa, trouxe nos últimos dias para o palco dos holofotes mediáticos a ministra do Mar. A situação não está resolvida, nem envolve directamente a função de Ana Vitorino que apelou ao bom senso das partes, operadores e sindicatos. Mas o arrastar de uma situação de braço-de-ferro, feita de peculiares contratos de trabalho e de um conflito de anos, é tão desconfortável para o Governo como incompreensível para a opinião pública. No princípio de Junho, a ministra lança a Conferência dos Oceanos. E por muito propalado que seja que o mar é o destino do país, falta prová-lo com medidas e calendário de execução.

Foto

Será que um reputado especialista na área da Ciência dá o passo em frente? O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior apaziguou o tumulto da comunidade científica que veio para a rua e para o espaço público criticar a gestão do ministro anterior, Nuno Crato, e a Fundação para a Ciência e Tecnologia. O passo em frente reclamado a Manuel Heitor é alterar o sistema de precaridade que afecta os investigadores, que têm na renovação sucessiva das bolsas a espada de Démocles da sua actividade. A saída para o estrangeiro como alternativa à não absorção desta mão-de-obra especializada pelas Universidades portuguesas contribui para um cenário de rarefacção do sector. O professor catedrático do Técnico tem um óbice. Não dispõe do peso político que Mariano Gago, a referência com quem trabalhou como secretário de Estado, tinha no PS e no país.

Foto

Ao diplomata Luís Castro Mendes, chegado ao Governo há seis semanas – tomou posse a 14 de Abril – não se pode pedir mais. Veio de embaixador de Portugal junto do Conselho da Europa para o Ministério da Cultura, para substituir João Soares e acabar com um dos casos que afectou o executivo de Costa. A classificação como incógnita está plenamente justificada.

Discretos

Foto

Não é território de ambiguidade, embora se espere a definição cabal dos seus perfis e acção políticas. Manuel Caldeira Cabral, que tem em mãos o processo de recapitalização e financiamento das empresas, esteve em evidência pelo “nacionalismo do gasóleo”, para driblar o efeito perverso do aumento do imposto de combustíveis nas receitas do Estado por via do abastecimento de combustível em Espanha. O que não lhe faz favor, dada a importância de dossiês que cabem ao Ministério da Economia: Da concertação social ao turismo.

Foto

O titular do Ambiente, que também tutela os Transportes e a Reabilitação Urbana, José Pedro Matos Fernandes, saltou para a ribalta com a polémica da Uber. A solução que vier a ser encontrada marcará, para já, a sua acção.

Surpresas

Foto

São duas áreas de conflito, quentes e que queimam ministros e equipas. Contudo, os primeiros seis meses de Constança Urbano de Sousa e Francisca Van Dunem à frente, respectivamente, da Administração Interna e da Justiça, não lhes foram negativos. A primeira, especialista em Direito de Emigração e Asilo, culminou o processo do estatuto da GNR, está atenta aos casos de suicídio entre os elementos das forças de segurança e admite como indispensável o acesso das “secretas” aos metadados, o quem, o onde, o quando e o com quem das telecomunicações, na luta contra o terrorismo. Já a magistrada do Ministério Público e antiga Procuradora-Geral Distrital de Lisboa, fez a revisão do mapa de encerramento de tribunais decidido pelo anterior executivo. Ambas têm peso político, quando as questões de segurança e justiça estão no topo da agenda europeia.

Foto

Contestados

Foto

O “estrangeirado” do Governo, Tiago Brandão Rodrigues, tem sido muito contestado. Investigador na área de oncologia, o ministro da Educação, ainda que com a razão do seu lado quanto à racionalização dos recursos públicos para o ensino privado, tem sido um caos comunicacional e na gestão dos tempos políticos.

Foto

Em causa também esteve José Alberto Azeredo Lopes, o ministro da Defesa que foi presidente da ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação]. A polémica sobre práticas homofóbicas no Colégio Militar pôs o Ministério do Restelo na primeira linha e provocou indignação, pelo método e falta de discrição na acção, das patentes militares. 

Sugerir correcção
Comentar