Grécia impõe austeridade com esperança de obter alívio na dívida

Ao avançar com a reforma do sistema de pensões, Atenas espera obter a boa vontade do eurogrupo. Mas as divisões entre os credores, a Comissão Europeia e o eurogrupo podem trazer um grande aumento de instabilidade.

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Cocktails molotov atirados contra a policia no centro de Atenas Alkis Konstantinidis/REUTERS
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Manifestação da central sindical PAME, próxima do Partido Comunista grego ANGELOS TZORTZINI/AFP

Nas ruas de Atenas há este domingo cerca de dez mil de pessoas a protestar, no culminar de uma greve geral de três dias, a quarta que Alexis Tsipras enfrenta desde que se tornou primeiro-ministro. Mas isso não deve impedir o seu Governo de aprovar no Parlamento uma reforma do sistema de pensões com cortes no valor de 5400 milhões de euros. Esse é o trunfo que o ministro das Finanças, Euclide Tsakalotos, quer levar para a reunião do Eurogrupo, na segunda-feira, onde espera que se possa começar a discutir o alívio da dívida grega.

“Estamos no momento da primeira revisão do plano [de resgate à Grécia] e os objectivos foram basicamente cumpridos”, disse Jean-Claude Juncker numa entrevista publicada domingo nos jornais do Funke Mediengruppe, na Alemanha, antecipando uma posição mais favorável da Comissão Europeia para a reunião de Bruxelas.

Em causa está a avaliação do progresso das reformas do Governo de Atenas iniciado após o último resgate, em Julho passado. É um passo necessário para desbloquear a primeira tranche do empréstimo de 86 mil milhões de euros. A avaliação devia ter sido terminada até Novembro de 2015, mas tem-se arrastado.

Um dos motivos para a demora tem sido a lentidão de Atenas em actuar em áreas sensíveis como a as pensões. O projecto de lei em votação este domingo muda completamente o sistema e aumenta os impostos e taxas pagos pelos cidadãos. Por exemplo, desce para 8383 euros de rendimento anual mínimo a partir do qual os contribuintes sem filhos não pagam IRS, quando agora o limite ficava em 9100 euros anuais. Com esta medida, o Estado espera arrecadar 200 milhões de euros, diz o site Bloomberg. Com as regras actuais, cerca de 55% das famílias gregas estão isentas de pagar impostos.

Mas Tsipras foi defender as vantagens da reforma no Parlamento: “Nem um cêntimo será retirado a 92,5% dos pensionistas”, prometeu. “Engenheiros, médicos e advogados que ganham até 21 mil euros terão um corte de 50% nas contribuições para a segurança social”, assegurou.

A reforma das pensões é considerada “indispensável para garantir a viabilidade do sistema de segurança social”, segundo o ministro do Emprego, Georges Katrougalos, citado pela AFP. “Já devia ter sido feita há décadas”, afirmou, porque o défice se eleva a “dois mil milhões de euros. A profunda crise crise grega agravou a situação, com o disparar do número de desempregados e reformas antecipadas, e também as reduções de ordenados. O resultado, diz o Wall Street Journal, é que neste momento há apenas 1,7 trabalhadores activos por cada pensionista. E com a redução da natalidade que acompanhou a crise, a situação só tende a piorar.

No âmbito da reforma, fundem-se várias caixas de previdência, aumenta-se o valor das quotizações e das taxas para os rendimentos mais altos. Os sindicatos, sobretudo os próximos do Partido Comunista Grego, revoltaram-se contra estas medidas – são estes que convocaram a greve geral de três dias e as manifestações de domingo. Com a votação esperada para a meia-noite local (mais duas horas que em Lisboa), registaram-se alguns episódios de violência, com o rebentamento de cocktalis molotov na praça Sintagma.

O jogo do FMI

Mas a avaliação do desempenho grego não avançou também por desavenças entre os credores. Christine Lagarde, a directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), enviou uma carta aos 19 ministros dos países do euro, publicada pelo jornal Financial Times, em que sublinha o cepticismo do FMI sobre a forma como a Grécia vai responder às exigências dos credores, através de medidas que devem criar um excedente orçamental primário equivalente a 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2018.

Para o FMI, esta exigência da Comissão – com a qual Juncker parece satisfeito –, “não é realista". Lagarde sublinha que o plano de austeridade imposto à Grécia “não é credível”, mas que também “não é desejável” impor mais austeridade ao país.

No entanto, como não acredita que a austeridade exigida pela Comissão à Grécia seja cumprida, Lagarde exige por sua vez que Atenas legisle uma espécie de plano B, um pacote de medidas de contingência no valor de 3600 milhões de euros (2% do PIB), que, em caso de incumprimento das metas do programa, entrariam imediatamente em vigor.

O ministro das Finanças Grego, Euclide Tasakalotos, não só põe em causa as contas do FMI, numa carta que enviou também ao eurogrupo e divulgada pelo Wall Street Journal, como mantém que é impossível legislar só para uma eventualidade. “Não há nenhuma forma constitucional de votar sobre medidas de contingência na Grécia e, pelas conversas que tive com colegas, o mesmo acontece em muitos outros Estados-membros [da UE]”, escreve Tasakalotos. Além disso, seria obrigado a levar à aprovação do Parlamento um pacote de cortes de cerca de 9000 milhões de euros, sublinha – o que seria impossível de aprovar.

A posição da Alemanha será fundamental na reunião do Eurogrupo. Mas também há divisões em Berlim. No sábado, o vice-chanceler alemão Sigmar Gabriel, do Partido Social Democrata, apelou aos ministros das finanças da zona euro para que iniciem conversações sobre um alívio da dívida grega: “Todos sabem que este alívio da dívida deve acontecer a dada altura. Não faz sentido adiar”. Tsipras fez referência às declarações de Gabriel, dizendo esperar que o ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, que tem sempre assumido uma linha dura contra qualquer alívio da dívida, possa partilhar da sua posição.

Já se o FMI decidir abandonar o barco, o mar dos gregos pode tornar-se o mais instável de sempre.

 

 

 

 

 

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