Marcelo e Costa em uníssono sobre Programa de Estabilidade e refugiados

Presidente e primeiro-ministro desdramatizaram parecer do Conselho Superior de Finanças Públicas e não quiseram discutir previsões. Afinados como um cante alentejano.

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Habitual reunião de quinta-feira entre primeiro-ministro e Presidente realizou-se desta vez em Évora Enric Vives-Rubio

A reunião semanal foi em Évora, logo pela manhã. E se Presidente da República e primeiro-ministro nunca falaram em público ao lado um do outro, tinham afinado discursos. Ambos desdramatizaram as dúvidas do parecer do Conselho de Finanças Públicas sobre o Programa de Estabilidade e ambos recusaram entrar na discussão dos números, usando quase as mesmas palavras. Coube a Marcelo aliviar a pressão política do projecto de resolução do CDS sobre o documento. E ainda defender a política de Governo em matéria de refugiados.

No dia seguinte à aprovação em Conselho de Ministros dos Programas Nacional de Reformas e de Estabilidade, António Costa foi levar o estado da arte ao chefe de Estado ao Alentejo, onde este está a cumprir o primeiro capítulo do seu Portugal Próximo. À saída da reunião, o primeiro-ministro desvalorizou as críticas do Conselho de Finanças Públicas (CFP), que considera que as previsões do Governo no Programa de Estabilidade são optimistas e que há riscos de incumprimento.

"Eu sobre as previsões ouço tudo. O Conselho de Finanças Públicas diz que são optimistas, o PSD diz que são pouco ambiciosas", afirmou António Costa aos jornalistas. Uma formulação muito parecida com a que Marcelo Rebelo de Sousa usaria horas depois: “Há quem diga que são pessimistas, outros que são pouco ambiciosas”.

A diferença entre os dois é sobretudo no que é mais importante. Para o primeiro-ministro, "mais importante do que o Programa de Estabilidade é o Programa Nacional de Reformas", porque é este que contém "a estratégia de médio prazo" e "o conjunto das medidas que permitem enfrentar e resolver os problemas estruturais do país".

Para o Presidente da República, o veredicto “verdadeiramente importante” é o da Comissão Europeia (CE). “O CFP é um órgão muito importante, até para a nossa reflexão, mas verdadeiramente importante é a decisão da Comissão Europeia. Vamos esperar umas semanas para saber se a CE aceita ou não os números avançados pelo Governo”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

Já sobre a decisão do CDS de levar a votos no Parlamento o Programa de Estabilidade, Costa recusou pronunciar-se. Coube a Marcelo esvaziar o balão: “A democracia é isso mesmo. O CDS, ao que parece, é o único partido que vai levar a votos o Programa de Estabilidade, mas tem o direito a fazê-lo. Mesmo que todos os outros tenham dito que discordam, o CDS não tem de concordar com os outros”, acrescentou o Presidente, sublinhando que este partido estava “isolado" nesta matéria no Parlamento, e portanto, conta que a sua iniciativa não tenha "vencimento" na hora da votação.

Refugiados: “Há qualquer coisa que falha”

A sintonia entre os dois chefes, de Estado e de Governo, voltaria a soar quando o Presidente trouxe para a ordem do dia o tema dos refugiados. Antes de almoçar com 13 migrantes no Centro Comunitário de Évora da Cruz Vermelha Portuguesa, Marcelo voltou a elogiar as opções políticas do Governo nesta matéria e voltou a colocar a pressão sobre Bruxelas: “Há qualquer coisa que não funciona” na distribuição de refugiados pelos países de acolhimento.

“O Governo e toda a sociedade portuguesa têm estado muito atentos a esta realidade – a plataforma de apoio aos refugiados e as instituições mais diversas têm estado muito disponíveis para receber refugiados. O problema está a nível europeu: há muita disponibilidade mas depois é difícil encontrar refugiados que queiram vir para Portugal”, afirmou.

“É uma situação incompreensível, mas infelizmente é a situação da Europa”, sublinhou. “Países como Portugal - que em proporção à sua população, é dos países que mais tem mostrado disponibilidade para receber refugiados -, estão disponíveis para receber uns milhares e depois chegam umas dezenas… Isto está a passar-se em toda a Europa e não tem a ver nem com a sociedade portuguesa nem com o governo português”, insistiu.

Lá dentro, ouviu as histórias de vida e prometeu ajudar. Nour Nasser nunca pensou vir para Portugal, de que só conhecia Cristiano Ronaldo e “talvez o Benfica”. Mas este arquitecto sírio de quase 27 anos, sobrevivente a um naufrágio e a muitas desventuras, está agora feliz: um mês e meio depois de ter chegado a Évora, a Cruz Vermelha já activou o programa de emergência  que lhe permitirá fazer uma pós-graduação na Universidade do Porto.

Muito mais ansioso está Tamam Alnajjar, 39 anos, estofador de automóveis sírio mas que, como chefe de equipa, trabalhava também na Arábia Sauditra, Líbano e Jordânia. Os seus olhos rogam ao Presidente, mas só fala árabe e precisa de um tradutor que conte a sua história: tem 3 filhos pequenos, a mulher está grávida de outro, faltam três meses para nascer. Ficaram na Turquia, ele não quis arriscar metê-los num bote de borracha para a Grécia. Ele veio com o pai, 87 anos, completamente dependente dele.

“Ele só quer trazer a família da Turquia para cá, antes que o filho nasça ou o pai morra”, conta-nos o tradutor. “É possível o reagrupamento familiar”, pergunta Marcelo Rebelo de Sousa a Carla Vieira, directora do Centro Humanitário de Évora da CVP. “É, ao abrigo da lei é possível”, responde a responsável. Marcelo repete – “sim, é possível”. Tamam Alnajjar abraça o Presidente e cerra os olhos, emocionado.

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