Ninguém empurra, Cunha não cai

Oito em dez brasileiros gostariam que Eduardo Cunha caísse. É mais difícil encontrar um brasileiro que acredite nesse desfecho. “Afinal, a gente está no Brasil. No Brasil, as coisas nem sempre acontecem”

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Eduardo Cunha é suspeito de vários crimes de corrupção EVARISTO SA/AFP

Apesar de participar do coro de mulheres que gritavam “ai, ai, ai, se empurrar, o Cunha cai” numa recente manifestação no Rio de Janeiro contra o presidente da Câmara dos Deputados, Amanda Almeida, 30 anos, não conseguia acreditar muito no refrão. “Se empurrar o Cunha cai, mas ninguém empurra e ele continua lá”, lamentou a psicóloga que trabalha numa maternidade na zona norte do Rio.

Oito em dez brasileiros gostariam que Eduardo Cunha caísse, revelou uma sondagem do Instituto Datafolha divulgada no domingo, mas é mais difícil encontrar um brasileiro que acredite realmente nesse desfecho. “Afinal, a gente está no Brasil. No Brasil, as coisas nem sempre acontecem”, diz Juliana Dâmazo, 25, estudante universitária.

Nem a revelação de que Eduardo Cunha possui contas secretas na Suíça, nem o pedido de abertura de um inquérito pela Procuradoria-Geral da República para investigar as suas supostas ligações ao escândalo de corrupção conhecido como Lava Jato, nem as chantagens explícitas e as manobras de bastidores que todos os dias aparecem expostas na imprensa brasileira conseguiram retirá-lo da liderança da câmara baixa do Congresso.

Nas últimas duas semanas, Cunha e os seus aliados conseguiram inviabilizar o andamento do processo de investigação no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados que poderá resultar na sua expulsão do cargo. O pedido de instauração de um processo no âmbito do Conselho de Ética foi feito em Outubro por deputados do PSOL e Rede, partidos de esquerda, que acusam Cunha de quebra de decoro parlamentar, alegando que ele prestou depoimentos falsos perante uma comissão parlamentar de inquérito em Março quando negou ter contas bancárias no exterior. O relator (juiz) do processo, o deputado do Partido Republicano Brasileiro (PRB) Fausto Pinato, considerou haver indícios suficientes para abrir um processo de investigação e pediu celeridade aos deputados que compõem o Conselho de Ética, mas a leitura e votação do seu relatório tem sido adiada de semana para semana porque Cunha e os seus aliados na câmara têm feito tudo para ganhar tempo. Só com a aprovação do relatório de Fausto Pinato é que será oficialmente aberto o processo contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética.

Tudo indica que Cunha ainda não tem a maioria necessária para enterrar o processo, 11 dos 21 votos. Previa-se que a votação acontecesse esta terça-feira à tarde, mas o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo, do Partido Social Democrático (PSD), adiou a sessão depois de quase seis horas de debate em que aliados de Cunha promoveram discussões vazias – protestando, por exemplo, contra um deputado suplente que teria “furado a fila” na entrada para a reunião. Um deputado que apoia Cunha propôs acabar com o processo e, em alternativa, aplicar uma punição mais branda – uma censura pública, por escrito. Mais de 25 deputados inscreveram-se para discursar, com direito a 15 minutos cada, o que também impossibilitou a votação.

O presidente do Conselho de Ética marcou então nova reunião para esta quarta-feira à tarde, mas ela só durou meia hora antes de ser cancelada, porque à mesma hora havia uma sessão a decorrer no Congresso Nacional. A nova data para prosseguir os trabalhos é terça-feira da próxima semana. O que significa que Cunha se manterá no cargo pelo menos até à Primavera de 2016, porque, uma vez aberto o processo, o prazo de duração previsto pelos regulamentos é de 90 dias úteis.

Todos os olhos estão postos nos três deputados do Partido dos Trabalhadores (PT) que integram o Conselho de Ética. Os seus votos serão decisivos para determinar se o processo contra Cunha avança ou é arquivado. Nas últimas semanas, segundo a imprensa brasileira, Cunha tem tentado pressionar o Governo a orientar os deputados do seu partido, o PT, a votarem contra o processo no Conselho de Ética, ameaçando avançar com os pedidos de impeachment que pendem sobre a Presidente Dilma Rousseff no Congresso. Enquanto presidente da Câmara dos Deputados, Cunha tem o poder para dar deferimento ou arquivar esses pedidos. Por causa disso, Cunha, que pertence ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e é um arqui-inimigo de Dilma, tem, subitamente, no Governo o mais insólito dos aliados. O Palácio do Planalto tem trabalhado para convencer os deputados do PT a votarem contra a investigação de Cunha no Conselho de Ética, mas uma aliança com o presidente da Câmara dos Deputados abalaria definitivamente a reputação do partido, já muito debilitada. Na terça-feira, o presidente do PT, Rui Falcão, declarou na sua conta de Twitter  que os deputados do partido deveriam votar a favor do processo contra Cunha.

O dilema chegou com todas as letras às páginas dos jornais. José Geraldo, um dos três deputados do PT que integram o Conselho de Ética, disse estar “não com a faca, mas com a metralhadora no pescoço”. “E a metralhadora está na mão do Cunha”, concluiu. Na terça-feira admitiu a possibilidade de votar a favor de Cunha pela “salvação do país, da economia e do emprego”, numa referência ao mandato de Dilma.

Já nesta quarta-feira, José Geraldo e os outros dois deputados do PT fizeram saber que vão votar contra Cunha no Conselho de Ética. Mas falta uma semana. Pelo menos. 

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