Mais três meses de estado de emergência para investigar terroristas e prevenir ataques

Primeiro-ministro Manuel Valls elevou o nível de alarme ao mencionar o eventual uso de armas químicas pelos jihadistas.

A Assembleia Nacional francesa aprovou esta quinta-feira, com 551 votos a favor, seis contra e uma abstenção, o prolongamento do estado de emergência nacional no país pelos próximos três meses, depois de o primeiro-ministro, Manuel Valls, ter aumentado o nível de alarme e de ansiedade colectiva ao apontar para um cenário de risco de uso de armas químicas e biológicas pelos terroristas, em futuros ataques no território nacional.

“Hoje em dia não podemos excluir nenhum cenário. Digo-o com certeza com a maior das precauções, mas sabemos que existe também um risco do recurso a armas químicas e bacteriológicas”, afirmou o primeiro-ministro. Valls justificou o alerta, lembrando que a França “está em guerra” e que a frente deste novo conflito, que muda constantemente, é "o cerne da vida quotidiana” dos franceses. “Esta não é uma guerra tradicional, mas uma nova guerra em que o terror é a primeira e única arma”, declarou.

O debate parlamentar foi a prova de como, depois dos actos terroristas de há uma semana em Paris, a França está embalada para aceitar, sem muitas reservas, uma deriva securitária que rejeitou na sequência dos ataques ao jornal satírico Charlie Hebdo e ao supermercado judaico Hyper Casher, há dez meses. E também demonstrou como a temperatura política tem vindo a subir nos últimos dias, com as fileiras mais à direita a acirrarem as críticas ao Governo de François Hollande, apesar dos apelos à unidade nacional face ao momento de crise — e apesar da reviravolta do executivo, agora disposto a fazer o que for preciso, incluindo desrespeitar o pacto orçamental para reforçar o aparelho de segurança. No Senado, o ministro das Finanças, Michel Sapin, anunciava o custo desse esforço, prometido pelo Presidente no rescaldo dos ataques: serão 600 milhões de euros em 2016.

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Em resposta ao repto do Governo francês, em Bruxelas os representantes dos Estados-membros acrescentaram à agenda do Conselho Europeu extraordinário desta sexta-feira um ponto relativo à revisão das regras de funcionamento do espaço Schengen, para que seja possível estender os controlos sistemáticos nas fronteiras externas da União também aos cidadãos europeus. Segundo a AFP, a proposta, que abrange o ponto 7 do código de Schengen, poderá alargar esse controlo à verificação de identidade e ao acesso à base de dados do sistema de informações comum.

“É urgente que a Europa se junte, se organize e se defenda contra a ameaça terrorista”, afirmou o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve. A França, que há meses reclama contra o impasse na aprovação do programa de registo de passageiros aéreos conhecido como PRN, também quer apressar esse processo de decisão colectivo de forma a ter o método de vigilância operacional até ao fim do ano. O programa é uma réplica daquele que foi montado nos Estados Unidos após os ataques de 11 de Setembro: em Paris, elogia-se agora a sua eficácia na prevenção de novos atentados (e pede-se que o programa europeu, além de incidir sobre os voos que entram e saem do espaço Schengen, inclua também os voos domésticos). 

Quanto ao debate parlamentar, que tinha a ver com a revisão dos regulamentos do estado de emergência para um endurecimento das medidas para a protecção do público e a vigilância de suspeitos, depois de declarações inflamadas e críticas, registou-se uma unanimidade quase total. Da esquerda à direita, todos concordaram com a necessidade de adoptar “medidas excepcionais” em resposta aos “tempos de excepção” — e que exigem “acção estratégica e resoluta contra o pseudo Estado Islâmico”, segundo deputado Guillaume Larrivé, do partido Les Républicains (a antiga UMP). “A oposição não pode deixar de aprovar a inversão da política de segurança do Governo, pois esta mudança vai no bom sentido”, considerou.

O reforço de segurança é exigido pelos franceses, que não se incomodam muito em abrir mão de alguns direitos — “de forma relativa, enquadrada, controlada e limitada no tempo”, prometem os socialistas — por um pouco de tranquilidade ao sair à rua. Uma sondagem Ifop para o jornal Le Figaro e RTL revelou que 84% dos inquiridos estavam dispostos a aceitar controlos e limitações das suas liberdades para garantir a sua segurança, e num inquérito realizado pelo diário Le Parisien, mais de 13 mil pessoas, ou 85% do total de participantes, responderam que a actual legislação que rege os serviços de informação e segurança não é suficiente para lidar com a ameaça terrorista.

Os deputados concordaram com a extensão de três meses do estado de emergência e com a sua possível renovação, findo esse prazo (esta sexta-feira, o Senado deverá votar no mesmo sentido). É ao abrigo dessa lei, aprovada em 1955 em plena guerra da Argélia, que têm sido conduzidas buscas e efectuadas detenções sem mandato judicial, dia e noite, desde sexta-feira. As prerrogativas prevêem ainda restrição ou interdição de circulação, a proibição de manifestações públicas e o encerramento de cafés, salas de espectáculo ou recintos desportivos. Mas perante o Congresso, o Presidente já tinha apontado lacunas à lei, que precisaria de uma revisão para se adaptar à nova realidade tecnológica e social do século XXI.

O Governo apresentou a sua proposta — que não agradou particularmente à deputada da Frente Nacional, Marion Maréchal-Le Pen, mesmo se na sua defesa o primeiro-ministro recuperou o slogan de campanha do avô da deputada e ex-presidente do partido de extrema-direita, Jean-Marie Le Pen: “a segurança é a primeira das nossas liberdades”.

Ao rascunho governamental, acrescentaram-se algumas emendas vindas dos partidos. Entre as novidades introduzidas pelo parlamento estão o recurso à pulseira electrónica para o controlo do recolher obrigatório de indivíduos suspeitos e com termo de identidade e residência; a interdição de contactos com indivíduos designados pelas autoridades; a possibilidade de bloquear o acesso a determinadas páginas da Internet e redes sociais e de dissolver certas associações e organizações. Na sua intervenção, o primeiro-ministro defendeu ainda a dissolução de todas as mesquitas salafistas em França, considerando que “o islamismo radical e o jihadismo representam uma gangrena para o islão”.

A ala à direita reclamava mão pesada mas acabou por aceitar, por exemplo, a retirada de uma proposta de emenda no sentido do controlo de todas as publicações, durante o estado de emergência. Os Républicains, que queriam indivíduos suspeitos da polícia vigiados 24 horas sobre 24, dentro de casa, acabaram por saudar o desfecho dos trabalhos. Quanto à Frente Nacional achou as medidas brandas e limitadas; Marion Maréchal Le-Pen quer proibir tudo - as fronteiras abertas, a entrada de refugiados e o financiamento público de organização islâmicas em França.

Outras emenda rejeitada na votação foi, por exemplo, a que autorizava o uso de armas de fogo pela polícia municipal. Porém, uma proposta da bancada da direita, e defendida pelo primeiro-ministro, concedeu aos agentes das forças de segurança que dispõem de uma arma no seu uniforme, o direito de a manter consigo quando se encontrem à civil e fora do horário de trabalho.

Do lado da defesa do statu quo em termos da manutenção das liberdades, a argumentação tem sido menos audível, mas não inexistente. No plenário, a deputada dos Verdes, Cécile Duflot, manifestou o seu incómodo com a modificações à lei, considerando que “vão longe demais” e podem comprometer algumas das bases do edifício jurídico-político francês. “Não podemos esquecer que a nossa Constituição assenta no princípio da separação do judiciário, e também exige que todas as decisões desse ramo sejam objecto de uma instrução”, notou.

Entretanto, grandes agrupamentos públicos e manifestações de rua permanecem totalmente interditas em Paris, até pelo menos a próxima segunda-feira - uma decisão que foi tomada pelas forças de segurança e não decorre da prorrogação do estado de emergência. O Governo desautorizou a realização de uma marcha de protesto prevista para o dia 29 de Novembro, para coincidir com a abertura cimeira internacional do clima, em Paris.

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