UE vai anunciar mais medidas “externas” para travar a crise dos refugiados

Conselho Europeu dos próximos dois dias é o segundo em menos de um mês dedicado à crise dos refugiados. A guerra na Síria também está no menu.

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Mais um barco que chegou à Grécia vindo da Turquia DIMITAR DILKOFF/AFP

Os 28 líderes europeus reúnem-se a partir desta quinta-feira em Bruxelas para tentar enfrentar a crise dos refugiados de forma mais eficaz e a partir de uma perspectiva de longo prazo. As divisões subsistem e as soluções ainda são escassas. 

De acordo com a proposta de Conclusões, preparado pelos presidentes do Conselho Europeu, Donald Tusk, e da Comissão, Jean- Claude Juncker, os líderes preparam-se para tomar mais medidas para reforçar a fronteira externa da União (o seu reforço pode ir até ao ponto de criar uma força de polícia fronteiriça no âmbito da União),  acelerar o processo de distribuição dos refugiados que estão na Itália e na Grécia e a cooperação com os países vizinhos, em primeiro lugar a Turquia, para aceitarem um sistema de triagem in loco, a troco de apoio financeiro.

Este Conselho Europeu  é o segundo em menos de um mês dedicado à crise dos refugiados (houve uma cimeira extraordinária a 23 de Setembro por insistência da chanceler alemã Angela Merkel).  O seu país é o destino escolhido por uma ampla maioria de migrantes que atravessam os Balcãs em direcção à União Europeia. Merkel quer garantir o apoio dos parceiros europeus à sua política de abertura, hoje sob fogo cerrado da CSU da Baviera (o partido irmão da CDU da chanceler), onde se concentram o maior número de refugiados que já chegaram à Alemanha. Mas há igualmente muitas críticas nas fileiras do seu partido, levantando problemas logísticos e financeiros para receber os 800 mil previstos para este ano. Até agora, a chanceler não cedeu a qualquer pressão, mantendo a sua visão do problema desde a primeira hora: primeiro, é uma questão humanitária que a Europa, tal como ela a concebe, não pode ignorar; segundo, é um problema que fará parte da realidade europeia no longo prazo e para a qual é precisa também uma resposta estratégica.

Em Berlim, os analistas dizem que é a primeira vez que a chanceler vai abertamente contra o sentimento de uma parte substancial dos alemães, embora também digam que, por enquanto, o desgaste da sua popularidade ainda é muito limitado. Merkel quer consolidar a sua “autoridade moral” para enfrentar um desafio que põe à prova os valores europeus, para mostrar que pode e sabe liderar a Europa para além da crise do euro.

O problema é que os países de Leste, a começar pela Hungria, ponto de passagem de milhares de migrantes para chegar à Áustria e à Alemanha, vindos dos Balcãs, continuam muito renitentes em aceitar uma política mais aberta. Há partidos populistas em muitos países da União que podem tirar partido desta realidade. A chanceler e outros governos europeus defendem a criação de “hotspots” onde os refugiados seriam obrigados a ficar para ser possível a triagem entre os que precisam de asilo e os que são imigrantes normais á procura de melhores condições de vida. Mas estas “zonas de trânsito” mereceram fortes críticas do SPD, o parceiro da CDU na grande coligação que governa a Alemanha, que lhe chama “zonas de detenção”, que fazem lembrar demais os campos nazis.

O debate será feito no jantar dos líderes. Há um relatório da Comissão sobre o tema com o balanço do que já foi feito (ainda pouco) e com novas medidas a pôr em prática, desde o reforço da Frontex para garantir a maior impermeabilidade das fronteiras exteriores terrestres da União, até à eventual revisão de Dublin II, o sistema de asilo europeu já totalmente ultrapassado pelos acontecimentos. A necessidade de harmonizar as políticas de asilo entre os Estados-membros é igualmente urgente: a generosidade de alguns, que aceitam (como a Alemanha ou a Suécia) mais de 80% dos pedidos e outros (como a Grécia) que concedem um número muitíssimo mais limitado.

Uma estratégia europeia tem de passar também pelo apoio aos países da região que rodeiam a Síria, a maior fonte deste fluxo de refugiados, de forma a permitir-lhes garantir condições mínimas de apoio. A Turquia é uma pedra fundamental. Recebeu até hoje cerca de 2 milhões de refugiados sírios, quer o apoio da Europa e é, além disso, uma pedra fundamental no conflito sírio. A chanceler estará em Ancara no próximo domingo. “A questão da Turquia será uma parte importante das discussões”, disse ao PÚBLICO uma fonte diplomática de Bruxelas.

As causas desta vaga avassaladora de refugiados - as guerras na Síria e no Iraque e a entrada em cena do Estado Islâmico nestes dois países, ou o caos na Eritreia ou no Afeganistão –são a outra face do problema que os lideres terão de enfrentar rapidamente. A Síria vai exigir no curto prazo um entendimento entre europeus e americanos para enfrentar o desafio da Rússia. O Presidente Putin utilizou o Estado Islâmico para forçar uma intervenção militar na Síria alegadamente para combatê-lo, mas realmente o que quer é salvar o regime de Bashar Al-Assad, o seu aliado no Médio Oriente e abrir a porta a uma maior influência regional.

Os líderes discutirão a melhor maneira de pôr fim ao conflito (se é que é possível pôr fim ao conflito), trazendo de novo a relação com Moscovo, degradada pela crise na Ucrânia, para cima da mesa. Mais uma vez a posição da chanceler será fulcral.  “A situação na região é difícil e politicamente muito complexa,” disse o Presidente do Conselho Europeu Donald Tusk na carta dirigida aos líderes europeus. Na proposta de Conclusões, a UE manifesta a sua preocupação com os bombardeamentos russo à oposição a Damasco, que “poderá escalar a situação ainda mais.”

Na última cimeira foi decidido distribuir numa primeira fase 160 mil refugiados concentrados na Itália e na Grécia. Mas só esta semana começaram a ser transportados os primeiros vinte dos 821 que a Suécia vai receber (é o país que mais refugiados tem aceitado em termos relativos). A Comissão quer acelerar o processo. “Temos visto resultados concretos, mas ainda precisamos que os Estados membros façam mais; palavras nobres têm de ser seguidas por acções concretas em casa”, disse Juncker.

Na agenda desta cimeira está também a questão britânica. O primeiro-ministro Britânico David Cameron irá informar os restantes líderes sobre os desenvolvimentos nas discussões técnicas que têm decorrido entre a Comissão Europeia, o Conselho Europeu e o seu governo sobre as mudanças que quer ver implementadas para que o Reino Unido se mantenha membro da União Europeia. A discussão “não se espera longa,” disse fonte europeia que está a par das negociações. A questão “tem de ser preparada muito bem a nível técnico antes de ser levada para uma fase política,” acrescentou a mesma fonte. Londres quer mudanças em quatro áreas: soberania (restituir algum poder aos parlamentos nacionais); governação económica; acesso à segurança social; e ainda tornar a União mais competitiva. Seja como for, esta poderá ser a primeira cimeira europeia desde há muito tempo em que a Grécia não é o tema central.

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