Curso para quem vai receber refugiados inclui "trauma" e "ética de acolhimento"

Plataforma de Apoio aos Refugiados faz balanço de um mês e meio de trabalho em “contra-relógio”. Há 85 casas disponíveis “no imediato”. Uma formação específica. E várias empresas a contribuir.

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Há 68 instituições anfitriãs que estão a postos “no imediato” para receber 420 pessoas AFP PHOTO / ROBERT ATANASOVSKI

Eles ainda não chegaram, mas a Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) continua a crescer. O salão nobre da reitoria da Universidade de Lisboa pareceu pequeno para o primeiro balanço. Desde que foi constituída, “em apenas um mês e meio”, a PAR conseguiu ter, “para receber no imediato”, 85 habitações prontas para igual número de famílias, o equivalente a 420 refugiados. Rui Marques, que nesta quarta-feira foi eleito em assembleia-geral coordenador da organização que nasceu da sociedade civil, diz que o caminho que está a ser trilhado vai para “além da boa-vontade”: “Está a ser desenvolvido um trabalho sério, consistente e profissional.”

Desde logo, os técnicos das instituições que vão acolher e integrar refugiados, as chamadas “instituições anfitriãs” — institutos religiosos (26%), associações e fundações (25%) e instituições particulares de solidariedade social (19%) são as mais representadas até agora — vão receber formação específica, basta que se inscrevam para tal.

A plataforma de e-learning, da Escola Superior de Educação Paula Frassinetti, uma das muitas parceiras da PAR, foi apresentada. O programa, feito “em contra-relógio”,  envolve especialistas de várias instituições de ensino superior, da Universidade Católica à Universidade de Coimbra, e contém 14 módulos que abordam, por exemplo, questões do género, saúde mental e trauma — porque muitos dos que chegarão vêm de zonas de conflito —, ética do acolhimento e diálogo inter-religioso.

“Os técnicos das instituições de acolhimento poderão complementar as competências que já têm com uma formação específica, pensada para quem vai receber e ajudar a integrar refugiados”, explicou Rui Marques, desafiando as instituições a mobilizarem os seus colaboradores. As “aulas” (sobretudo à distância) acontecem em Novembro e Dezembro.

Para além das 68 instituições anfitriãs a postos “no imediato” para receber 420 pessoas — cada instituição anfitriã deve ser capaz de garantir, através dos seus recursos e/ou mobilizando os recursos de outros parceiros, alojamento, alimentação, apoio de saúde, educação, aprendizagem do português e ajuda na integração laboral dos adultos que compuserem o agregado familiar — há outras que manifestaram interesse em enquadrar famílias. A PAR admite para já vir a ter capacidade para receber 136, qualquer coisa como 660 pessoas.

“Em todas as salas de aula, esta discussão”
Mas outras contas se fizeram no salão da universidade: representantes de várias empresas e organizações que aderiram à PAR nos últimos dias subiram ao palanque para explicar com o que se estão a comprometer. Por exemplo: a Porto Editora fez saber que fornecerá kits para ensino da língua portuguesa como língua não materna — materiais destinados a crianças, adultos e também aos professores que se têm voluntariado para ensinar os refugiados; a Fundação PT informou que podem contar com telemóveis e serviços; a Microsoft Portugal disse que deu um dia extra de voluntariado aos seus colaboradores e que garante o financiamento dos custos de acolhimento de uma família. A Fundação Islâmica de Palmela garantiu que tem apartamentos para 150 refugiados, disponibilizados pelos elementos da comunidade.

“Inspiradora”, foi a palavra usada por Pedro Calado, o alto-comissário para as Migrações, para descrever esta PAR.

Como membro do Grupo de Trabalho para a Agenda Europeia da Migração, coordenado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, criado pelo Governo em 3 de Setembro, o Alto-Comissariado das Migrações tem entre as suas missões a de fazer a “concertação com a sociedade civil” na resposta aos refugiados e a de contribuir para “informar a opinião pública” e evitar a “disseminação de preconceitos”. Quer, por isso, “levar a todas as salas de aula do país esta discussão” dando “aos números, casos, rostos, vidas concretas”. E vai haver também uma campanha na televisão.

A preocupação com os “mitos e medos” que se disseminam entre a opinião pública foi muito referida também por Rui Marques. O dia serviu de resto para apresentar uma revista chamada Refugiados, a ser distribuída por vários jornais nacionais, e que tem como objectivo precisamente “evitar más interpretações e ideias contrárias à realidade que têm surgido nos últimos tempos”.

Questões como “há ou não uma invasão?”, ou “por que é que os refugiados têm telemóveis?” têm resposta nesta publicação que Rui Marques quer que chegue ao maior número de portugueses (e, já agora, se um smartphone é importante "para quem vai de férias", para aceder a mapas, a informação de restaurantes e para comunicar com a família, “para quem foge da guerra é vital”: “Pode aceder a mapas, informação de comboios e centros de apoio, pode comunicar com família e amigos que ainda estão na terra-natal ou encontrar pessoas que atravessaram o Mediterrâneo e se perderam...”).

Chegam na próxima semana?
O trabalho de triagem das pessoas que serão acolhidas, e em qual dos países que concordaram em receber refugiados, é feito pelas autoridades italianas e elementos da União Europeia, em Itália, onde se encontram dois oficiais de ligação de Portugal. O processo está a demorar mais do que o previsto, disse na segunda-feira ao PÚBLICO uma fonte do Governo.

Já uma fonte da Comissão Europeia citada pela agência Lusa, nesta quarta-feira, adiantou que os próximos voos de recolocação em diferentes países da Europa, incluindo Portugal, deverão decorrer na próxima semana. Mas a mesma fonte admitiu eventuais atrasos burocráticos.

Rui Marques não sabe, contudo, se o primeiro grupo de refugiados que chegará ao país irá ocupar algum dos lugares da PAR. Há mais respostas, lembra.

Portugal está “praticamente” pronto para acolher 4500 refugiados, afirmou também esta tarde o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, no final de uma reunião com o Conselho Económico e Social. “É um esforço que está proporcionado aquilo que é a dimensão do país, as suas condições económicas e portanto compara muitíssimo bem com o esforço que outros países europeus estão a fazer”, afirmou, citado pela Lusa, no mesmo dia em que a Comissão Europeia lembrou, em comunicado, que já propôs alterações aos orçamentos de 2015 e 2016, tendo aumentado em 1,7 mil milhões de euros os recursos consagrados à crise dos refugiados (o que significa disponibilizar um total de 9,2 mil milhões). “Os Estados-membros devem agora disponibilizar os recursos nacionais complementares."

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