Na missa em Havana, o Papa não falou de embargo nem de dissidentes

Francisco disse que o serviço aos outros “nunca é ideológico, uma vez que não serve as ideias, mas as pessoas”. Depois visitou Fidel, a quem ofereceu livros de teologia

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O Papa encontrou-se com Fidel Carlos Garcia Rawlins/Reuters
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O Papa celebrou missa na Praça da Revolução de Havana Tony Gentile/Reuters
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Raúl Castro com a Presidente da Argentina, Cristina Kirchner Tony Gentile/Reuters
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Dezenas de milhares de pessoas esperavam Francisco FILIPPO MONTEFORTE/AFP

Se o Presidente, Raúl Castro, esperava que Francisco falasse do embargo norte-americano, terá de aguardar por outra oportunidade. Se os opositores do regime tinham esperança de ouvir críticas à falta de liberdade, também. A homília da primeira missa do Papa em Cuba, na Praça da Revolução, numa viagem rotulada de política, foi marcadamente pastoral, sem referências explícitas à situação na ilha nem às relações com os Estados Unidos.

Ao chegar a Havana, o Papa, um impulsionador das negociações que levaram ao retomar das relações entre os Estados Unidos e Cuba, mencionou essa aproximação. “Há meses que estamos a testemunhar um acontecimento que nos enche de esperança: o processo de normalização das relações entre dois povos, após anos de distanciamento”, disse no sábado. Mas publicamente, este domingo, não tocou no assunto.

Quem o fez foi o cardeal Jaime Ortega, arcebispo de Havana, que, no final da missa, disse que o apelo do Papa a uma aproximação não deve ficar “apenas pelo nível político” e deve haver reconciliação entre os cubanos “que vivem em Cuba e fora de Cuba”.

Partindo do exemplo de Jesus, Francisco disse às 200 mil pessoas ali concentradas, números da AFP, e também a cerca de 3500 “convidados especiais”, entre eles Raúl Castro e a sua homóloga Cristina Kirchner, que “quem quer ser grande” deve “servir os outros, não servir-se dos outros”.

“Servir significa cuidar dos frágeis das nossas famílias, da nossa sociedade, do nosso povo”, afirmou o líder da Igreja Católica, que afastou a ideia de que o serviço aos outros “é ideológico”.

“O serviço olha sempre o rosto do irmão, toca na sua carne, sente a sua proximidade e até, em alguns casos, o seu ‘sofrimento’ e procura a sua promoção. É por isso que nunca é ideológico, uma vez que não serve as ideias, mas as pessoas”, declarou – no que se pode tentar perceber uma crítica ao regime.  

Mais de duas horas antes da missa, a vasta praça dominada pelo gigantesco monumento em honra do herói nacional, José Martí, já estava cheia. Centenas de cubanos e turistas tinham, segundo as agências, começado na noite anterior a convergir para o recinto que tem também como atracções um enorme e emblemático retrato em relevo de Che Guevara e o monumento a outro revolucionário, Camilo Cienfuegos.

“Estamos cá desde as duas da manhã, não estamos cansados, mas contentes por receber o Papa em Cuba, um Papa grandioso, misericordioso”, disse à AFP Yaniurka Hernandez, professora de matemática, 43 anos. “Francisco veio para abençoar a nova união entre Cuba e os Estados Unidos”, disse à Reuters Enrique Mesa, 32, que trabalha em turismo.

Viram-no chegar no Papamóvel, saudado aos gritos de “Francisco, amigo! O povo está contigo!”, por pessoas empunhando bandeiras cubanas e da Santa Sé e cartazes de boas-vindas. O pontífice não se terá apercebido de um incidente que, segundo a AFP, ocorreu nas suas costas, antes da missa: três membros de um grupo de opositores tentaram aproximar-se gritando “Liberdade! Liberdade!”. Foram detidos.

O serviço que “se” serve

Na homilia, o Papa disse à multidão que “há um serviço que serve os outros, mas temos que nos prevenir do outro serviço, da tentação do serviço que ‘se’ serve dos outros. Há uma forma de exercer o serviço que tem como interesse beneficiar os ‘meus’ , em nome do ‘nosso’. Esse serviço deixa sempre os ‘teus’ de fora, gerando uma dinâmica de exclusão”.

O texto da homília distribuído pelo Vaticano não o menciona, mas, segundo as agências, o primeiro Papa latino-americano lançou um apelo ao êxito das negociações de paz entre o governo colombiano e a guerrilha das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

“Por favor, não temos o direito de nos permitirmos a mais um fracasso no caminho da paz e da reconciliação”, disse, referindo-se às conversações que há quase três anos decorrem em Cuba para acabar com um conflito de mais de meio século.

À chegada a Havana, Francisco relacionou a localização geográfica de Cuba com o papel de mediador que acha que pode ter: “Abre para todas as rotas, possuindo um valor extraordinário de ‘chave’ entre norte e sul, entre leste e oeste. A sua vocação natural é ser ponto de encontro para que todos os povos se reúnam na amizade.”

Horas depois da missa, Francisco encontrou-se com Fidel Castro, na sua casa, em Havana. Também esteve presente Dalia Soto del Valle, mulher do antigo líder, na conversa que durou 30 a 40 minutos e decorreu num “ambiente muito familiar e informal”, disse, citado pela AFP, o porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi.

Conversaram sobre temas como o ambiente e o Papa ofereceu quatro livros a Fidel, dois deles de teologia. Do anfitrião recebeu o livro “Fidel e a Religião” – resultado de conversas que manteve com o teólogo brasileiro Frei Betto. A dedicatória termina, segundo foi divulgado, com as palavras: “Com admiração e respeito do povo cubano.”

 

 
 

   

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