Nunca tanto dinheiro foi distribuído por tão poucos projectos científicos

A Fundação para a Ciência e a Tecnologia acaba de atribuir 118,7 milhões de euros por 689 projectos de investigação científica, depois de um concurso com 5459 candidaturas em todas as áreas do saber.

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Todos os anos, a FCT abre diferentes concursos para financiar projectos Sandra Ribeiro

Uma das formas mais importantes de financiar a ciência é através dos projectos científicos. Da antropologia à bioquímica, das ciências agrárias às da educação, os cientistas desenvolvem ideias de investigação que são transformadas em projectos para concorrerem ao financiamento público. Os resultados provisórios do último grande concurso da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), divulgados recentemente, recomendaram o financiamento de 689 projectos de investigação por três anos. Para tal, há um bolo de 118,7 milhões de euros, o que equivale em média a 172.000 euros por projecto.

Este valor reflecte uma tendência iniciada em 2012 para este tipo de financiamento: a atribuição de mais dinheiro a menos projectos de investigação. E é coerente com a estratégia da FCT, definida pelas políticas do Ministério da Educação e Ciência de Nuno Crato, e que nos últimos anos, invocando uma ideia de excelência, tem feito uma triagem da investigação portuguesa, quer ao nível de concursos como o de Investigador FCT quer ao nível de uma avaliação (polémica) aos centros de investigação.

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Todos os anos, a FCT abre diferentes concursos para financiar projectos. Mas os concursos para projectos de investigação científica e desenvolvimento tecnológico em todos os domínios científicos são os mais importantes. Normalmente, estes projectos dão um financiamento máximo de 200.000 euros para três anos, e cientistas de qualquer área podem candidatar-se. Com este dinheiro é possível contratar cientistas, adquirir equipamento, fazer viagens de campo e outras actividades importantes para a investigação científica.

Nos últimos anos, este concurso foi aberto em 2006, 2008, 2009, 2010, 2012 e 2014. Os resultados divulgados em Agosto foram os do concurso de 2014. Ao todo, houve 5459 projectos a concurso, dos quais apenas 13% foram aprovados. Em 2008, o ano em que houve o maior bolo de dinheiro para este concurso – 185,5 milhões de euros –, 25% das candidaturas foram financiadas, ou seja, 1405 dos 5697 projectos a concurso.

Apesar de em 2008 o PIB gasto em investigação ainda estar em crescimento (o pico iria ser atingido no ano seguinte), o financiamento médio de cada projecto foi então de cerca de 132.000 euros, bastante menor do que o do concurso de 2014, que foi de 172.000 euros.

Ora, se no concurso de 2014 o financiamento médio por projecto tivesse sido igual ao de 2008, então os 118,7 milhões de euros – que, diga-se, foi o maior bolo de dinheiro para este concurso desde o de 2008 – poderiam ser distribuídos por 899 projectos. Ou seja, mais 211 projectos do que aconteceu na realidade. Este valor hipotético representaria uma aprovação de 16,5% dos projectos a concurso, uma taxa que continuaria a ser relativamente baixa.

Os resultados do concurso de 2014 terão de ser enquadrados à luz da situação económica vivida em Portugal nos últimos anos.

Depois de três anos consecutivos com a abertura deste concurso (todos durante o Ministério de José Mariano Gago) e um de interregno em 2011, a FCT, já com Nuno Crato, voltou a abri-lo em 2012. Dessa vez, apenas 12% das 5235 candidaturas foram aprovadas – o valor mais baixo de sempre, quando Portugal estava em plena crise económica. No entanto, esse concurso teve a particularidade inédita de atribuir um financiamento máximo de meio milhão de euros. Ao todo, 51 projectos receberam então entre 200.000 euros e 500.000 euros. O valor médio por projecto foi cerca de 141.000 euros, o maior de sempre até então, só ultrapassado pelo concurso de 2014.

Num período em que as verbas das universidades públicas portuguesas foram cortadas e em que 154 dos 322 centros de investigação do país ficaram com pouco ou nenhum dinheiro para viver entre 2015 e 2020 –  após a avaliação para definir o seu acesso a financiamento anual de 71 milhões de euros –, muitos cientistas viram os seus projectos científicos ficar pelo caminho.

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