Egipto cria tribunais para suspeitos de terrorismo e multas contra jornalistas

Pacote de medidas de combate ao terrorismo dão mais ferramentas ao regime de Sissi para atacar a oposição política no país.

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O regime de Sissi prendeu e condenou à morte centenas de apoiantes do antigo Presidente em processos "injustos" Amr Abdallah Dalsh/Reuters

A partir desta segunda-feira, jornalistas que contrariem os dados oficiais do Governo egípcio sobre ataques extremistas no país serão multados num mínimo de 25 mil dólares e num máximo de 63 mil. Esta é uma das novas leis antiterroristas que entram em vigor nesta semana no Egipto e que, antecipa-se, permitirão que o regime repressivo de Abdel Fattah al-Sissi consolide o seu poder no país.

Para além do controle sobre jornalistas, o novo pacote legislativo cria tribunais especiais para julgar casos de suspeitos de pertencerem ou financiarem grupos jihadistas. Um combatente extremista enfrenta dez anos de cadeia, quem financie estes grupos pode receber uma pena de prisão perpétua e quem incite à violência ou divulgue “mensagens terroristas” receberá entre cinco a sete anos de prisão. Polícia e militares egípcios têm agora mais protecção legal para “desempenharem as suas funções”.

As novas leis de antiterrorismo foram criadas pelo Conselho de Estado – que governa o Egipto na ausência de um Parlamento eleito – pouco depois de uma onda de ataques violentos na Península do Sinai e no Cairo às mãos de grupos islamistas, em Junho. As novas medidas estão alegadamente apontadas ao combate de grupos jihadistas no país, que se multiplicaram sob o Governo secular de Abdel Fattah al-Sissi. Espera-se, contudo, que sirvam também como ferramentas para ajudar o regime a silenciar a oposição.

Conhecem-se vários exageros dos canais oficiais egípcios no que toca às notícias de batalhas entre exército e grupos extremistas na região, sobretudo na Península do Sinai – o regime alega frequentemente ter eliminado “centenas” de jihadistas. Os crimes de terrorismo e de conspiração contra o Estado são também frequentemente distorcidos de maneira a servirem os interesses do regime. Para Sissi, o ex-partido Irmandade Muçulmana é uma organização terrorista, uma designação que foi apropriada pelos tribunais para condenarem centenas de apoiantes do Presidente deposto Mohamed Morsi.

Em apenas um ano de Governo e dois de golpe de Estado, os tribunais do Presidente Sissi condenaram centenas de opositores governamentais à morte e à prisão com “julgamentos ostensivamente injustos, frequentemente com acusações-fachada”, nas palavras da Amnistia Internacional. E, segundo a organização humanitária, as novas leis de combate ao terrorismo são apenas mais uma forma de o regime egípcio combater a oposição política no país sob um véu de luta antiextremista – que lhe tem valido a reaproximação à comunidade internacional depois do golpe de Estado.

“A lei antiterrorismo é claramente uma reacção espontânea para consolidar a mão de ferro das autoridades no poder, com vista a responder a ameaças de segurança. Embora as autoridades egípcias tenham obrigação de preservar a segurança, não o devem fazer à custa dos direitos humanos”, escrevia em Julho Said Boumedouha, um dos directores da Amnistia Internacional para o Norte de África e Médio Oriente, quando confrontado com a primeira versão da lei. Neste modelo inicial, o regime egípcio pedia a prisão para jornalistas que contrariassem os canais oficiais.

Todavia, a ameaça islamista na região do Sinai é real. Morreram já centenas de militares e polícias egípcios na Península, sobretudo às mãos do grupo Província do Sinai, que se tornou mais mortífero desde que há meses jurou aliança aos jihadistas do autodesignado Estado Islâmico na Síria e Iraque. Os ataques de grupos fundamentalistas islâmicos às forças governamentais no Egipto aumentaram com a ofensiva de Sissi aos movimentos islâmicos no país. Particularmente contra a Irmandade Muçulmana, a principal força política a surgir da Primavera Árabe.  

É incerto qual será o grau de protecção que as novas leis atribuem às autoridades egípcias. Em todo o caso, estas já vivem sob um grande escudo protector do Governo. Nenhum polícia ou responsável egípcio foi detido ou punido pelo regime de Sissi no caso da morte de mais de 800 manifestantes, em Agosto de 2013, na Praça Rabaa, no Cairo, que protestavam contra o golpe de Estado de Sissi.

No domingo, a Human Rights Watch – organização humanitária que o Governo egípcio acusa de promover terrorismo – apelou a que, face à imobilidade da Justiça egípcia, fosse lançada uma investigação internacional sobre o que diz ser o “massacre de Rabaa”. No país continua a ser ilegal fazer concentrações públicas e protestos contra o Governo. 

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