O general Sissi regressou na abertura do novo Suez, agora com o mundo a seu lado

Regime egípcio aproveita a inauguração do novo canal para mostrar que conquistou o apoio da comunidade internacional. Sissi insiste que está no poder para derrotar o terrorismo islâmico.

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O tom nacionalista da inauguração do Suez conseguiu os egípcios em festa Governo egípcio/AFP

Abdel Fattah al-Sissi vestiu pela segunda vez o seu velho uniforme militar desde que é Presidente do Egipto, para inaugurar nesta quinta-feira o novo Canal do Suez. A primeira foi em Julho, numa visita às tropas do Monte Sinai. Dias antes, o braço do autoproclamado Estado Islâmico no Egipto atingira posições do exército com uma violência nunca antes vista. Morreram pelo menos 17 soldados, segundo contas oficiais.

A imagem militarizada de Sissi dividiu então os egípcios. Alguns viram nela um gesto simbólico de um ex-soldado. Outros, o fim do sonho democrático da Primavera Árabe: o Presidente que chegou ao poder com um golpe de Estado militar, o responsável pela morte de centenas de opositores e pela prisão de outros milhares num ano de governo.

Nesta quinta-feira, Sissi vestiu o uniforme por celebração. O Presidente egípcio esteve na frente da comitiva marítima que inaugurou o novo troço do Canal do Suez, a bordo do iate Al Mahrousa, que foi o primeiro barco a atravessar o canal na sua abertura, em 1869. É mais um simbolismo entre os muitos da construção e celebração do novo Canal do Suez.

Sissi conseguiu unir a sociedade egípcia em torno do projecto, que foi, também simbolicamente, acelerado de três para apenas um ano de construção. Prova de que o Presidente cumpre o que promete. Nesta quinta-feira, feriado nacional por ordem do Governo e dia de festa por vontade nacional, o regime egípcio colheu um fruto igualmente precioso. Na inauguração dos novos 72 quilómetros de canal, Sissi mostrou que tem a comunidade internacional a seu lado.  

O Presidente tinha agendados três encontros de alto-nível para depois das celebrações. Com François Hollande, o Presidente francês; Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego; e Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestiniana. Viajaram os três para o Egipto para ver a inauguração do novo canal, tal como o primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev; os líderes máximos do Kuwait, Bahrein e Sudão; e vários ministros dos Negócios Estrangeiros.

As celebrações mostram que, aos olhos das grandes forças internacionais, Sissi não é o ditador que acabou com a Primavera Árabe no Egipto. É o líder do país árabe mais populoso do mundo e um imprescindível parceiro na luta global contra o extremismo islâmico. Sobre o iate em que viajava voaram jactos Rafale e F-16, comprados há poucos meses à França e Estados Unidos. Atrás navegava a fragata FREMM, comprada também a Paris.

O discurso antiterrorismo de Sissi mantém o Ocidente do lado do regime – os contratos milionários de armamento ajudam. “O Egipto ergueu-se durante um ano contra a maior ameaça terrorista internacional, que queimaria o mundo se o pudesse”, disse o Presidente. “As obras não correram em circunstâncias normais, ainda continuam, estamos a lutar contra elas e vamos vencê-las.”

A sombra do Sinai

A ameaça extremista no Egipto é real. Na península do Sinai, delimitada a ocidente pelo Canal do Suez, os islamistas do grupo Província Sinai tiveram um ano mortífero. Os jihadistas tornaram-se mais eficazes desde que juraram fidelidade ao Estado Islâmico e, entre grandes e pequenos ataques, estes últimos quase diários, mataram dezenas de soldados e polícias egípcios no primeiro ano de governo de Sissi. As margens do novo canal estavam preenchidas de soldados e polícias armados de metralhadoras. 

À medida que prosseguia a inauguração do Suez, surgiam notícias de dois civis mortos e nove feridos no Norte da península, vítimas de ataques de morteiro às suas casas. Na mesma zona, morreu também um soldado egípcio com fogo furtivo. Os dois ataques foram causados pelos jihadistas, segundo o Governo. 

A presença do Província Sinai fez-se notar principalmente por um vídeo, divulgado também nesta quinta-feira, em que o grupo ameaça matar um refém de nacionalidade croata caso o Governo egípcio não aceite libertar “as mulheres muçulmanas” que tem detidas. É a primeira vez que os jihadistas publicam um vídeo desta natureza no Egipto, em muito semelhante à marca do Estado Islâmico. Por “mulheres muçulmanas”, acredita-se que os extremistas se refiram a alguns membros da Irmandade Muçulmana, o partido islâmico ilegalizado por Sissi.

Mas é em casos como o da Irmandade Muçulmana que se torna evidente que a luta antiterrorista do Governo egípcio é, no mínimo, ambígua. O partido do Presidente deposto Mohamed Morsi, a Irmandade Muçulmana, é agora considerada uma organização terrorista pelo Governo. Em 2014, dois megaprocessos coordenados pelo exército que apoia Sissi condenaram mais de 1200 membros da Irmandande à morte. Foi o auge da contestação internacional ao regime de Sissi, acusado de estar a silenciar as vozes da oposição no país. Um ambiente que não se compara ao que se viu nesta quinta-feira no baptismo do novo Suez. 

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