Escola abandonada é porto de abrigo para imigrantes em Paris

A capital francesa é ponto de paragem na viagem até Calais para quem tenta seguir até ao Reino Unido. Mas muitos ficam por ali, à espera de resposta aos pedidos de asilo – e sem casa.

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Imigrante numa casa de apoio aos imigrantes Émmaus, que esteve num centro de denteção ALAIN JOCARD/AFP

Junto ao campo de basquetebol do liceu abandonado da rua Jean-Quarré, no 19º bairro de Paris, há roupa a secar e cadeiras coloridas espalhadas pelo recinto, com vários grupos de migrantes a tomar o café que foram buscar a uma sala de aula transformada em cozinha. Entre 200 a 250 migrantes encontraram refúgio num liceu abandonado, depois do acampamento onde dormiam ter sido desmantelado pelas autoridades francesas.

Paris é para muitos migrantes uma etapa rumo a Calais, no Norte de França, onde procuram atravessar o túnel da Mancha, dê por onde der, para chegar ao Reino Unido. Mas há centenas a ficarem-se pela capital francesa, em acampamentos que vão surgindo e que vão sendo desmantelados pela polícia.

Foi há seis dias que eritreus, sudaneses, líbios, chadianos, tunisinos, etíopes, sírios e afegãos, apoiados por um colectivo de activistas, ocuparam a antiga escola de hotelaria da rua Jean-Quarré, que estava fechado há quatro anos.

Aos comandos, na cozinha, está Hervé Ouzzane, membro de La Chapelle en Lutte, o colectivo que nasceu há 12 semanas para ajudar os migrantes que acampavam junto à estação de metro La Chapelle.

“Não sabemos até quando vamos ficar neste liceu. O que nós pedimos às autoridades é um espaço colectivo gerido pela câmara municipal ou por nós para acolhermos 400 a 500 pessoas. Aqui estão a dormir entre 200 a 250 pessoas, mas durante o dia chegam a ser 400 as que vêm até cá para comer, por exemplo”, explicou o voluntário.

Há vários espaços em Paris a serem ocupados assim neste momento. Por exemplo, outro grupo, de cerca de 200 pessoas, está num anexo da escola secundária Guillaume-Bude, por exemplo, depois de terem sido expulsos do acampamento provisório que tinham montado na cidade. Outros foram recolhidos.

Além desta escola, cerca de 250 migrantes, essencialmente sudaneses e eritreus, estão actualmente acampados junto à Gare de Austerlitz, há cerca de 30 pessoas a dormir no jardim Le Bois Dormoy, no bairro de La Chapelle.

De acordo com o jornal Le Parisien, desde Junho, 1300 pessoas já foram colocadas em alojamentos de emergência em Paris.

A história de Adam
Sentado num banco com uma chávena de café está Adam Ali Ahmed, de 25 anos, que deixou o Darfur, no Sudão, a 7 de Março e que tem como sonho ir para os Estados Unidos.

“Fui para a Líbia a pé numa viagem de 15 dias. Ao princípio éramos dez pessoas. Só chegámos cinco à Líbia, os outros não resistiram à falta de água. Trabalhei um mês em Misrata, mas tive de ir embora porque o [autoproclamado] Estado Islâmico persegue os que chama de ‘negros’. Um amigo meu foi morto a tiro por não saber a que hora era a oração”, contou Adam à Lusa.

Depois, o jovem embarcou com familiares e mais 600 pessoas para Lampedusa, no Sul de Itália, numa viagem de nove horas que lhe custou três mil dólares. Seguiram-se as cidades de Roma, Ventimiglial, na fronteira com França, Mónaco e Cannes, num percurso que diz ter feito a pé. No Sul de França apanhou o comboio até Paris, onde foi imediatamente detido à chegada à Gare de Lyon.

“Estive 27 dias no centro de retenção de Vincennes. Queriam repatriar-me para o Sudão, mas lá consegui fazer a papelada para pedir asilo político. Ao princípio queria ir para a Inglaterra ou para a Holanda, mas não posso, porque podem expulsar-me de volta para França, onde estou registado”, explicou.

Sem perspectivas
Sentado nas escadas que dão acesso ao campo, está um grupo de quatro jovens a falar, numa conversa animada por Omar Malik, oriundo da Eritreia.

“Cheguei a Paris há um mês e 15 dias e passei 25 dias num centro de retenção para estrangeiros. Fiz uma longa caminhada para chegar até aqui. Eritreia, Sudão, Egipto... Depois, foram dez dias num barco do Egipto até à Grécia, onde fiquei três meses. De Atenas fui para a Áustria, passei pela Bulgária, Sérvia e Hungria", recorda, sem querer falar sobre a longa viagem de barco com a qual ainda tem pesadelos.

Também Ahmad Awad não consegue esquecer a viagem de barco que fez da Líbia até à costa italiana. Conta ter sobrevivido a um naufrágio.

"Foi a 25 de Janeiro. Era um grande barco, as pessoas que estavam na parte de baixo subiram e o barco virou. Morreram 100 pessoas e eu fiquei na água durante três horas. Depois, chegou um navio italiano que nos socorreu e passei três dias no hospital", relembra o líbio de 29 anos, afirmando ter pago 1500 euros a um passador.

A aventura continuou e, depois de uma semana em Itália, Ahmad foi para França, tendo pago mais 300 euros a um passador para conseguir uma rota para escapar à polícia em Ventimiglia. Já pediu asilo político, alegando ter saído da Líbia por causa da guerra e ter perdido a mãe e o pai no mesmo dia em Sabha, no Sul do país. Até agora, não conseguiu documentos.

Suleiman Javid, de 26 anos, deixou o Afeganistão em 2012 e depois de passar por vários países decidiu ficar por Paris, onde já dormiu na rua, em parques e agora no Liceu Jean-Quarré, onde começou a aprender francês com os voluntários do colectivo La Chapelle en Lutte.

"A viagem durou um ano, a pé, de comboio, de autocarro e até de barco. Passei pelo Irão, Turquia, Grécia, Itália e cheguei a França. Depois, fui para a Bélgica e Alemanha, mas regressei a França e fui expulso para Itália. Voltei para França na mesma, porque em Itália não há perspectivas de trabalho e não há dinheiro”, afirmou.

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