Três delícias

Aposto que deverá existir algures no mundo árabe uma versão do Três Delícias feita com mel e, por conseguinte, indiferente à popularização recente do açúcar.

É bom ser-se principiante e não se saber nada. Cada novidade que se vai aprendendo é sensacional. Facilmente nos habituamos à torrente de "ai não sabia?"s, metade dos quais desconfiados.

É na doçaria portuguesa que estou a dar os meus primeiros passos. Atendendo à minha constituição física e à minha idade poderão mesmo vir a ser os meus últimos. But what a way to go!

Aqui no Algarve (que raro é e que bem que nos sabe juntar estas três palavrinhas) a doçaria conta histórias de astúcias algarvias. O meu doce preferido até agora, entre os muitos que comi (já que os comi todos sem ter conseguido provar nenhum), é o Três Delícias. Junta alfarroba, figo, ovos e amêndoa. Ou seja: tira partido de tudo o que tem aqui à mão. O bolo é tão bom que provoca o esquecimento. Esquecemo-nos das amendoeiras e das figueiras que ninguém cuida e dos doces tradicionais algarvios que são obrigados a recorrer à amêndoa da Califórnia.

É verdade que nos tempos mais recentes também se usa açúcar para adoçar só mais um bocadinho este bolo, que deixa brilhar os sabores da alfarroba, da amêndoa e da alfarroba através de uma contenção severa mas essencial na administração do açúcar.

Devemos com certeza aos árabes que fizeram o favor de nos civilizar a base exaltante do Três Delícias. Aposto, usando e abusando da minha gigantesca ignorância, que deverá existir algures no mundo árabe uma versão do Três Delícias feita com mel e, por conseguinte, indiferente à popularização recente do açúcar.

O nome também é maravilhoso porque a maior e mais gloriosa delícia é a quarta: a conjunção das outras três.

São três andares — alfarroba, figo, doce de amêndoas com ovos que ora se habitam um a um, delirando com a subtileza da alfarroba, esse mais maltratado de todos os tesouros que a natureza nos deu, ou com o "umami" avassalador do figo seco bem prensado, ou com a obra-prima feita da amêndoa com ovos e (tosse convulsa) açúcar. Mas, o mais das vezes, o garfo guloso corta a fundo e mete à boca o exagero de bondade que é aquela milagrosa mistela humana.

Eis dois dos melhores, em dois belos restaurantes: o da nora da Ti Marquinhas de São Brás de Alportel (servido no Pézinhos na Areia na Praia Verde) e aquele que só encontra na Chaminé, em Altura. Guardem barriguinha para lhes dar o devido respeito, se fizerem favor.

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