FMI quer mais incentivos para as empresas reduzirem o endividamento

Fundo defende supervisão mais apertada sobre as garantias pessoais apresentadas pelos donos de empresas para a obtenção de crédito.

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O FMI diz que já foram tomadas medidas “importantes” para a reestruturação das empresas, tanto nos tribunais como por via extrajudicial Enric Vives-Rubio

O Fundo Monetário Internacional (FMI) reconhece que Portugal já lançou medidas “importantes” para reduzir o nível de endividamento do tecido empresarial, mas defende que sejam criados mais incentivos para as empresas em dificuldades chegarem mais cedo aos instrumentos de revitalização.

Num documento publicado nesta segunda-feira com Artigo IV (o relatório anual que o FMI publica individualmente para cada um dos seus países-membros), o Fundo analisa a dimensão do problema do endividamento das empresas, lembra o que já foi feito para o combater e traça um conjunto de prioridades a definir.

Para a instituição liderada por Christine Lagarde, a criação de um sistema de recuperação de empresas por via extrajudicial – o programa Sireve – foi um passo significativo, mas muitas empresas continuam a chegar “demasiado tarde” a estes instrumentos de revitalização e, “quando o fazem, enfrentam obstáculos formais que atrasam o processo” de recuperação.

Para o FMI, tanto os bancos como as empresas dos restantes sectores de actividade não têm os incentivos necessários para acelerar o processo de desendividamento, mesmo depois de terem sido dados “passos importantes para facilitar a reestruturação da dívida das empresas”, seja nos tribunais, seja por via extrajudicial. A instituição considera que são precisos outros mecanismos que garantam uma “solução sistémica”, para que mais empresas – e mais rapidamente – possam resolver estes problemas.

No diagnóstico ao sector empresarial português, o FMI encontra ainda algumas fragilidades em relação à própria gestão das empresas. Comparando a situação portuguesa com o que se passa na economia espanhola, o FMI diz que, de uma forma global, os donos de empresas portuguesas distribuem mais lucros, o que diminui o rácio de capitais próprios das empresas e transfere o risco dos donos das empresas para os bancos.

Ao mesmo tempo, o facto de muitas empresas serem negócios familiares, em que os accionistas são os próprios gestores, dificulta a reestruturação de uma empresa que esteja em dificuldades porque, diz o FMI, pode ter consequência directa na vida dos pequenos empresários (em 21,5% dos empréstimos, as empresas recorrem a garantias pessoais como colateral para assegurar a concessão de crédito). A priori, para não potenciar situações destas, o FMI defende que seja reforçada a supervisão relativamente à apresentação de garantias pessoas no sector empresarial.

Segundo o Fundo, é preciso criar incentivos para os accionistas das empresas aceitarem a conversão de dívida em capital. Outra medida a tomar passa por remover impedimentos fiscais à reestruturação de créditos, permitindo que as empresas possam deduzir nos impostos a anulação da dívida reestruturada, dando aos credores um tratamento idêntico.

Antes da eclosão da crise económica, frisa o FMI, o sector empresarial foi acumulando dívida sobre dívida. Os níveis de endividamento das empresas privadas estão hoje em 154,2% do PIB (em Dezembro de 2014, segundo dados do Banco de Portugal). E num tecido empresarial constituído maioritariamente por Pequenas e Médias Empresas (PME), é neste segmento que se concentram os níveis de dívida mais altos, que equivalem a 87,1% do PIB.

O FMI chama a atenção para o problema particular da carteira de crédito no sector da construção, que tem um peso de 17% no total dos empréstimos concedidos pelos bancos, o equivalente a 16 mil milhões de euros, dos quais 28% são créditos de cobrança duvidosa.

Não apenas na construção, mas nos vários sectores de actividade, este é um dos problemas que retrai o investimento, porque se reflecte na rentabilidade das empresas e condiciona a capacidade em obterem mais financiamento, enfatiza o FMI.

Segundo o FMI, o Governo reconhece que os níveis de endividamento ainda continuam elevados, considerando as injecções de capital de investidores privados e os incentivos fiscais factores determinantes para a redução do nível de endividamento. No entanto, para as autoridades portuguesas, a “necessidade de assegurar a estabilidade financeira constrange de forma significativa o ritmo de desalavancagem”.

O FMI diz que eliminar a dívida do sector não financeiro (empresas) é crucial para a retoma económica. “Na ausência de medidas de política decisivas para reduzir o crédito malparado e o nível de endividamento empresarial, a retoma da economia ficará ainda mais adiada”, avisa o FMI. A instituição liderada por Christine Lagarde deixa ainda um aviso ao sector financeiro, lembrando que se os activos bancários continuarem concentrados nos sectores menos produtivos as restrições ao investimento e ao crescimento económico não vão desaparecer.

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