Nigéria adia eleições para derrotar radicais “em seis semanas”

Oposição diz que a independência da Comissão Eleitoral está comprometida. Casa Branca diz-se “profundamente desapontada”.

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Protesto em Abuja contra o adiamento das eleições AFP

A pedido das chefias militares, as eleições nigerianas foram adiadas: as presidenciais, marcadas para 14 de Fevereiro, deverão agora acontecer a 28 de Março; as legislativas passaram para 11 de Abril. Em seis semanas, afirmou esta segunda-feira Sambo Dasuki, conselheiro de segurança do Presidente, “todos os campos conhecidos do Boko Haram serão desmantelados”.

Na prática, o que o Exército nigeriano está a dizer é que vai fazer em seis semanas o que não conseguiu nos últimos seis anos, desde que o grupo radical islamista Boko Haram surgiu para matar dezenas de milhares de civis, raptar centenas de meninas das suas escolas, arrasar cidades, obrigar 1,5 milhões de pessoas a fugir de casa, conquistar território no estado de Borno, no Nordeste do país, e ameaçar e atacar países vizinhos.

Os nigerianos têm poucos motivos para confiar na palavra dos seus militares. Em 2014, quando pelo menos 5000 civis foram mortos, os generais mentiram ao anunciar que tinham libertado 200 alunas raptadas pelo Boko Haram, tal como mentiram quando disseram ter chegado a um acordo de cessar-fogo com os radicais. Insistindo que não precisava da ajuda das Nações Unidas ou da União Africana, o Exército foi acumulando derrotas, ao mesmo tempo que era acusado de abusos dos direitos humanos no combate ao terrorismo.

É verdade que acaba de ser aprovada uma força regional de 8700 membros do Chade, do Níger, das Camarões e do Benim para se juntarem aos nigerianos, mas grande parte destes militares e polícias vão operar nas regiões de fronteira. Só o Chade, para já, está envolvido em batalhas no Nordeste da Nigéria. O Boko Haram já reagiu, reafirmando a sua determinação em desestabilizar outros países – nomeadamente o Níger, onde tem lançado ataques quase diários, ou os Camarões.

Aguardadas como as primeiras eleições realmente livres desde o fim dos regimes militares, em 1999, as presidenciais serão também as primeiras em que a vitória de Goodluck Jonathan não está garantida – as sondagens mostram que o general na reforma Muhammadu Buhari o pode derrotar. Ora, a oposição e muitos observadores acreditam que o adiamento é apenas uma desculpa para o impopular Jonathan, com mais meios para fazer campanha do que o adversário, tentar recuperar terreno.

Uma sondagem do Afrobarometer (instituto independente com presença em 30 países africanos) sugere que Jonathan e Buhari, líder do Congresso Progressista, estão empatados nas intenções de voto. Nas últimas semanas, Buhari tem reunido grandes multidões nos seus comícios e recebido o apoio de figuras importantes. Um antigo presidente do Partido Democrático do Povo, no poder, Olusegun Obasanjo, retirou o seu apoio a Jonathan, defendendo que o seu camarada de partido “fracassou” como Presidente.

Buhari, que já liderou o país durante dois anos após um golpe militar nos anos 1980, pediu calma aos seus apoiantes, mas considerou que a Comissão Eleitoral foi “obrigada a ceder a pressões” e viu a sua “independência gravemente comprometida”. O candidato denunciou o adiamento como “uma tentativa grosseira de sabotar o processo eleitoral” e o seu partido falou de “ataque grave à democracia”.

Segurança como pretexto

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, fez divulgar um comunicado em que diz que os Estados Unidos estão “profundamente desapontados com a decisão de adiar as eleições” e que “é inaceitável qualquer interferência política na Comissão Eleitoral e fundamental que o Governo não use as preocupações de segurança como pretexto para pôr em causa o processo democrático”.

Apesar de o anúncio ter sido feito quando faltava apenas uma semana para a ida às urnas, há meses que vários membros do partido de Jonathan defendiam o adiamento. Em Janeiro, Sambo Dasuki, o conselheiro de Jonathan, dizia que a Comissão Eleitoral não teria tempo para distribuir os cartões de eleitor (que serão usados pela primeira vez) a quase metade dos 68 milhões de nigerianos que podem votar. Mas essa distribuição já foi entretanto concluída e o presidente da comissão, Attahiru Jega, garantira que tudo estava a postos.

Claro que organizar umas eleições no meio de uma insurreição armada e com 1,5 milhões de deslocados está longe de ser uma situação normal ou desejável. Difícil de perceber é o que é que poderá ser feito em mês e meio para alterar este cenário. Dasuki também garantiu que a data das eleições “não voltará a ser mudada”.

Num artigo no Guardian, o colunista nigeriano Remi Adekoya escreve que o adiamento é “uma boa notícia para o Governo e uma má notícia para os nigerianos, que acreditavam finalmente estar à beira de uma democracia real”. “A experiência diz-me que o partido no poder vai usar este tempo extra para garantir a vitória de Jonathan por quaisquer meios: subornos, intimidação e fraude”, diz. “Espero estar enganado.”

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