Portugal escapa à crise internacional de concertos

Numa altura em que nos Estados Unidos se vive a pior crise na organização e promoção de concertos desde meados dos anos 70, em Portugal os promotores de espectáculos de música falam de normalidade e afastam por agora o espectro da recessão. As salas por regra estão cheias, os festivais de Verão têm registado bons níveis de afluência de público e, ao que tudo indica, as medidas de austeridade financeira impostas pelo actual Governo para pôr cobro à crise interna tardam em produzir efeitos junto da indústria cultural portuguesa.

"No final do ano passado pensava que íamos ter um ano complicado, mas até ao momento, se calhar por sermos portugueses e só apanharmos com as crises quando os outros já estão a recuperar, as coisas estão a andar mais ou menos dentro da normalidade", diz Álvaro Ramos, da promotora Ritmos & Blues, citando como exemplo o sucesso obtido com os espectáculos de nomes como Pat Metheny e os Cranberries.

Ricardo Casimiro, da Tournée, que trouxe este ano a Portugal Carlos Santana e os Supertramp, e Álvaro Covões, da Música no Coração, o único dos três promotores de concertos contactados pelo PÚBLICO que desconfia da palavra "crise", afinam pelo mesmo diapasão: "A sensação que nós temos tido é que a afluência aos espectáculos tem sido normal", diz Covões. "As coisas andam ela por ela, em parte pela qualidade superior da nossa oferta junto do público", refere o responsável da Música no Coração, que só este ano já teve a seu cargo êxitos absolutos como os concertos de Lenny Kravitz, Jamiroquai, Enrique Iglesias e Caetano Veloso e festivais como o Super Bock Super Rock, Vilar de Mouros e o recente Sudoeste.

David Bowie para cinco mil

Nos Estados Unidos, e com reflexos menores mas igualmente preocupantes no Reino Unido, o cenário é diametralmente diferente. As várias promotoras de concertos e agentes ligados ao meio falam a uma só voz de um dos piores Verões para a organização de espectáculos de que há memória, e os números dão-lhes razão: de acordo com a "Billboard", no primeiro semestre de 2002 a indústria de espectáculos norte-americana gerou perto de 613 milhões de dólares (625 milhões de euros) de receitas brutas, menos 14 por cento (100 milhões) do que em igual período do ano passado; a "Pollstar", outra publicação ligada à indústria, adianta que 10,6 milhões de bilhetes foram vendidos nas 50 maiores digressões deste ano nos EUA, contra os 12,9 milhões de 2000; e a revista "People" cita os exemplos de artistas de topo como David Bowie, Moby e Busta Rhymes, que tinham concertos marcados para pavilhões com capacidade para 20 mil pessoas e acabaram a tocar em salas para não mais de cinco mil.

Barry Fey, da House Of Blues Concerts, uma das maiores promotoras de espectáculos norte-americanas, sintetiza assim o "mal de vivre" que aflige o sector nos EUA. "Já vivi tempos piores neste negócio. Em 1974, com a crise do petróleo, simplesmente não havia bandas. Não organizámos nada de nada. Mas nunca assisti a uma época como esta, com tantas bandas e com tantos concertos à venda que simplesmente não vendem", referiu em declarações à "Billboard".

As razões são as que se conhecem: recessão económica global, preços de bilhetes elevadíssimos (nos EUA cresceram quatro dólares este ano para uma média de 51, com as entradas para concertos de Paul McCartney e os Rolling Stones a ascenderem aos 200 dólares), um número excessivo de bandas em digressão e o inevitável 11 de Setembro, cujos efeitos também se fizeram sentir por cá.

"A seguir ao 11 de Setembro deixaram-se de vender bilhetes, pura e simplesmente", recorda Álvaro Covões. "Durante 15 dias não se venderam entradas para espectáculos. Lembro-me que nessa altura o David Sylvian não vendeu muitos bilhetes e que tivemos um espectáculo fabuloso de dança espanhola, com a companhia do Nacho Duato, que foi um 'flop' total. Na altura ficámos preocupados, mas a pouco e pouco as coisas retomaram o seu curso normal", acrescenta.

"No final do ano passado", prossegue Álvaro Ramos, "e face ao clima de acentuada crise internacional que então se vivia, quando elaborei o meu calendário de espectáculos para 2002 reduzi de alguma forma os espectáculos que iria produzir, pensando que íamos entrar numa altura em que as pessoas não tinham dinheiro. Se calhar fiz mal, porque isso não está a acontecer. Mas penso que todos estes efeitos se irão reflectir mais cedo ou mais tarde, talvez já no segundo semestre deste ano, quase de certeza para o ano que vem".

A mesma opinião tem Ricardo Casimiro, para quem a chegada da crise é apenas uma questão de dias e que por isso mesmo "todos os cuidados são poucos nesta altura do campeonato". "Temo muito pelo que aí vêm", diz o responsável pela mais antiga promotora de concertos a operar em Portugal. "Penso que tal como em todas as áreas vamos acabar por ser afectados, e é por isso que temos tido algum cuidado em não entrar em loucuras. As ondas internacionais demoram sempre algum tempo a chegar a Portugal e aqui há a acrescentar a própria crise interna, que gera uma grande mal-estar e um clima de grande desconfiança". "Na minha opinião", acrescenta Casimiro, "o efeito local vai ser mais determinante do que os efeitos de fora".

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