Obama vai anunciar a guerra contra o Estado Islâmico mas não será ele a acabá-la

Liga Árabe juntou-se à coligação contra o grupo extremista. Intervenção na Síria pouco pacífica.

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Barack Obama vai anunciar uma guerra que não será ele a concluir Reuters

A guerra contra o Estado Islâmico poderá durar três anos. E a operação militar que vai ser revelada na quarta-feira por Barack Obama só deverá ser concluída pelo próximo Presidente dos Estados Unidos, revelou uma fonte do Governo de Washington ao jornal The New York Times.

Segundo esta fonte, Obama vai anunciar um tipo de intervenção militar inédita, que não se limitará ao uso de drones (como no Paquistão e Iémen), que não incluirá tropas no terreno (como no Iraque quando Saddam Hussein foi derrubado), mas em que os EUA assumirão plenamente o comando da operação militar (não será um decisor de bastidores, como fez na Líbia quando Muammar Khadafi foi deposto).

"Vamos diminuir sistematicamente as suas capacidades. Vamos reduzir o território que controlam. E, por fim, vamos derrotá-los", disse Obama na estação de televisão americana NBC. Enquanto falava, as peças da sua estratégia iam-se compondo, com a diplomacia a procurar arrancar compromissos duradouros dos líderes dos países árabes. E Chuck Hagel, o secretário da Defesa, aterrava em Ancara para tentar empurrar o Presidente da Turquia, o relutante Recep Erdogan, para dentro da coligação internacional que está a tentar formar — os EUA precisam das bases militares turcas.

Obama tinha levantado a si próprio uma condição para a intervenção dos EUA, o compromisso de adesão dos países da região onde opera o Estado Islâmico. No domingo à noite, os países membros da Liga Árabe decidiram apoiar uma estratégia de combate contra os jihadistas, que já conquistaram uma larga porção de território à Síria e ao Iraque, onde proclamaram um Califado islâmico.

"Os ministros dos Negócios Estrangeiros dos países árabes estão de acordo sobre a adopção das medidas necessárias para enfrentar os grupos terroristas, entre eles" o Estado Islâmico, disse o secretário-geral da Liga Árabe, Nabil al-Arabi, após a reunião de alto nível no Cairo (Egipto). O texto final sublinha que há entre os países membros um consenso sobre a necessidade de se recorrer "a todas as medidas para combater o terrorismo ao nível político, de segurança e ideológico".

A entrada dos países árabes na coligação é considerada crucial, sobretudo devido à última fase da estratégia de Obama. É a fase "mais dura e controversa", escreve o NYTimes, — atacar o EI na Síria.

A primeira fase já está em curso e Obama já a tinha explicado publicamente: começou a 8 de Agosto, com o bombardeamento de posições do EI, de forma a conter os avanços do grupo extremista num momento de grande fragilidade política no Iraque, onde não existe ainda um Governo representativo (das minorias, das tribos, de sunitas e xiitas). Esta segunda-feira, o primeiro-ministro indigitado, Haidar al-Abadi, ultimava a formação da equipa de unidade que analistas citados pela Reuters dizem ser a última tentativa de "desintoxicar um sistema político" tão "envenenado" que colapsou com a gestão de Nuri al-Maliki.

A protecção às minorias é outro objectivo desta primeira fase, assim como a segurança das embaixadas e consulados americanos no Iraque, que ficaram vulneráveis com a retirada das últimas tropas em 2011 (depois de anos da ocupação que se seguiram à guerra contra Saddam Hussein).

Quando o Governo representativo e que de facto governe for uma realidade, segue-se a segunda fase. A participação americana, disse a fonte do Times, passará também pelo treino e aconselhamento das forças armadas iraquianas, aos combatentes curdos e às tribos sunitas, assim como fornecimento de armas.

A terceira fase, a que vai ser dura e controversa, é a destruição do exército jihadista "no seu santuário da Síria". Obama advertiu que derrotar o EI não será rápido — uma fonte do Pentágono confirmou que entre os militares se fala num compromisso de "36 meses". Nem um tema pacífico: há o risco de alguém sair beneficiado com os bombardeamentos (Bashar al-Assad, por exemplo), há o risco de alguém se opor a eles, quando chegar o momento.

Como funcionará esta coligação? Revelada que está, no essencial, a estratégia Obama contra o Estado Islâmico, a resposta a esta pergunta poderá ser a grande revelação do discurso do Presidente americano na quarta-feira. Entre os aliados estão a Jordânia e a Arábia Saudita, que tem grande influência nas tribos sunitas e que tem financiado os rebeldes sírios que lutam contra o Presidente sírio (que é alauíta, um ramo xiita). A Arábia Saudita não gostará que os bombardeamentos contra o EI revertam a favor de Assad. Os Emirados Árabes Unidos também indicaram que existe a possibilidade de se juntarem à intervenção do Iraque. Como será coordenada a intervenção dos países árabes com agendas diferentes no tabuleiro regional mas que, por enquanto e por princípio, declararam unidade frente à ameaça jihadista?

"Toda a gente está a bordo quando se fala do Iraque, mas quando se fala na Síria, há mais preocupações" sobre o que os ataques podem provocar, disse uma fonte do New York Times.

Obama poderá fazer luz sobre este campo, assim como dar pistas do que se passa na frente diplomática ocidental. Aqui, o nível de compromisso está menos claro. A Alemanha deu sinais de poder entrar na coligação através do envio de armamento para os peshmergas do Curdistão. O Reino Unido — que tem um refém ameaçado de morte; o EI já matou dois americanos, os jornalistas James Foley e Steven Sotloff — mantém as suas opções "em aberto" mas, por enquanto, nada mais adiantou. Obama, que sabe que não será ele a terminar a guerra que vai começar contra os radicais, quer arrancar compromissos claros  de outros países — Austrália, Dinamarca, França.
 

   

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