Violência aumenta no Leste da Ucrânia e todos se viram para Putin

Exército ucraniano tem reforçado ofensivas sobre os rebeldes, que criticam distanciamento de Moscovo.

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Membro de uma milícia pró-Kiev Genya Savilov / AFP

Os combates entre o exército ucraniano e os separatistas pró-russos no Leste da Ucrânia têm subido de intensidade nos últimos dias. As forças leais a Kiev têm apostado num reforço das ofensivas para terminar com o domínio territorial que os rebeldes ainda detêm. Mas a aceleração dos acontecimentos no terreno e o aumento da violência podem elevar aquele que é um conflito interno a uma guerra internacional.

Dias depois da descoberta de uma vala comum com mais de duas dezenas de corpos, os confrontos em Gorvlika, cidade controlada pelos separatistas a 45 quilómetros de Donetsk, fizeram 22 vítimas civis nos últimos dois dias. Um relatório da ONU estima que desde meados de Abril já tenham morrido mais de 1100 pessoas no Leste da Ucrânia e mais de 200 mil terão procurado refúgio noutras regiões ou na Rússia.

A intenção do exército ucraniano é acelerar a tomada do controlo da totalidade do território, sobretudo os dois bastiões rebeldes mais importantes, Lugansk e Donetsk. “O inimigo está a atirar tudo o que tem para a batalha para completar o cerco total à República Popular de Donetsk”, disse à AFP na segunda-feira Igor Strelkov, um dos comandantes dos rebeldes.

Kiev diz que as suas tropas conseguiram entrar nas cidades de Shakhtarsk e de Torez, na região de Donetsk, e em Lutuhyne, na província de Lugansk. Os confrontos estenderam-se mesmo à área onde se despenhou o avião da Malaysia Airlines, a 18 de Julho, impedindo que as equipas de investigadores internacionais pudessem alcançar o local pelo terceiro dia consecutivo. O impasse levou o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, a apelar directamente ao presidente ucraniano para que dê instruções no sentido de suspender os combates nessa zona. Na semana passada, Petro Poroshenko já havia decretado um perímetro de 40 quilómetros em torno do local da queda do MH17 no qual não poderia haver combates.

Perante as cada vez mais fortes ofensivas do exército ucraniano - que tem também contado com auxílio de grupos milicianos -, entre os rebeldes instalou-se algum desconforto em relação a Moscovo, de quem criticam a falta de apoio. Ao contrário do que aconteceu na Crimeia, assim que algumas cidades foram tomadas pelos separatistas e se auto-proclamaram repúblicas independentes, a Rússia nada fez para as reconhecer.

“Os insurgentes tinham o objectivo de ocupar o terreno até à chegada das tropas russas. Quando perceberam que não iriam receber ajuda directa da Rússia, esse objectivo desapareceu”, explicou à AFP, Konstantin Kalachev, director do Political Expert Group de Moscovo. “O apoio da população também desapareceu: as pessoas queriam juntar-se à Rússia e invejaram a Crimeia. Agora compreenderam que a presença dos rebeldes faz delas reféns”, acrescentou.

Da parte do exército ucraniano há uma clara noção da fragilidade das forças rebeldes e há a intenção de aproveitar esta janela de oportunidade para ganhar terreno. Mesmo se para isso já tenha sido criticada por grupos como a Human Rights Watch por recorrer a mísseis Grad – cuja trajectória é altamente imprevisível, provocando danos colaterais.

A falta de apoio aos rebeldes é vista por Gleb Pavlovsky, um antigo conselheiro do Kremlin, como uma estratégia de uma “diminuição da tensão cuidadosa” por parte do presidente russo, Vladimir Putin. “Ele foi o primeiro a distanciar-se dos rebeldes, e o facto de ele ter dito que está disposto a pressioná-los é um verdadeiro gesto”, disse Pavlovsky à revista norte-americana Foreign Policy.

No entanto, Putin tem de contar com a pressão interna, caso pretenda recuar e afastar-se da crise na Ucrânia. Uma sondagem feita em Junho pelo centro independente Levada concluiu que 64% da população defendia o apoio do Kremlin aos separatistas.

Os líderes ocidentais têm insistido no papel da Rússia no apoio à insurgência no Leste da Ucrânia e a queda do MH17 – que, de acordo com os EUA e a União Europeia, foi obra dos separatistas – veio contribuir para uma condenação ainda mais forte. A par das sanções anunciadas esta terça-feira, que têm o objectivo de enfraquecer vários sectores da economia russa, Washington deu sinais de que a via negocial está muito perto de estar esgotada.

“Enquanto os russos disseram que querem diminuir a tensão do conflito, as suas acções não deram a mínima prova de que existe realmente um desejo legítimo de acabar com a violência e com o banho de sangue”, dizia o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, lado a lado com o chefe da diplomacia ucraniana.

Ainda assim, a porta a um entendimento não foi totalmente fechada, com Kerry a colocar a bola do lado de Putin: “O Presidente Putin pode fazer uma grande diferença aqui, se quiser.” Fica por saber de que teor será essa próxima jogada de Moscovo.

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