MP pede a condenação de 11 deputados e administradores da Assembleia da Madeira

Procurador exige devolução de 4,6 milhões das subvenções parlamentares “dolosamente” desviados para as contas dos partidos em 2007.

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O Ministério Público (MP) pediu esta terça-feira a condenação de 11 deputados e dos três membros do conselho de administração da Assembleia Legislativa da Madeira, exigindo a restituição de 4,6 milhões de euros das subvenções parlamentares desviados para as contas dos partidos.

Nas alegações com que terminaram as audiências de julgamento, o procurador adjunto da República, Nuno Gonçalves, sustentou ter havido infracção dolosa no "desvio de dinheiros públicos", por parte dos 14 demandados (administradores, lideres parlamentares, deputados únicos de partido e independentes) que “persistiram na convicção, reiterada e redobrada, de que se trata de financiamento partidário”.

O magistrado criticou a “inexistência de qualquer sistema de controlo interno” da aplicação das subvenções e pediu, além da devolução das verbas não utilizadas na actividade parlamentar, a condenação de todos a multas entre 9.600 e os 4.800 euros.

Ao líder parlamentar do PSD, Jaime Ramos, o MP exige a devolução de 3,14 milhões de euros que "não foram utilizado para o pagamento dos vencimentos do pessoal do gabinete", nem para outros fins específicos da actividade parlamentar definidos na lei. Responsabilizou também solidariamente Bernardo Martins, Gil França, Victor Spínola e Jaime Leandro (PS), pelo montante de 807 mil euros, José Manuel Rodrigues (CDS) por 167 mil, Leonel Nunes (PCP) por 91 mil, Paulo Martins (BE) por 40 mil e Baltasar Aguiar (PND) por 25 mil euros. Aos deputados que passaram a independentes, Ismael Fernandes e João Isidoro Rodrigues, o MP exige, respectivamente, a devolução de 43 mil e 65 mil euros. Lembrou que o primeiro usou "parte em despesas particulares" e o segundo numa "uma viatura por si adquirida", “compra de carrinha do MAC”, "reparações no carro", "seguro automóvel" e "registo de propriedade" de viatura.

Nuno Gonçalves citou o recente acórdão do Tribunal Constitucional que confirma a competência do Tribunal de Contas para julgar as subvenções e a jurisprudência sobre o destino exclusivo das subvenções que, por serem de “valor extraordinariamente elevado na Madeira”, o excedente é “desviado para “pagar cartazes, comícios, campanhas eleitorais e acções partidárias”.

Dos 5,275 milhões concedidos pelo parlamento madeirense em 2007, só 662 mil euros foram devidamente utilizados para pagar o pessoal e gabinete de apoio, frisou o procurador. Comparativamente, a Assembleia da Madeira (com 47 deputados) concedeu nesse ano para o apoio parlamentar, por deputado, seis vezes mais do que o parlamento dos Açores (com subvenções de 814 mil euros para 57 deputados) e 22 vezes mais do que a Assembleia da República (876 mil euros para 230 deputados).

“Esta situação está a tornar-se insustentável”, declarou o procurador, recordando que aguardam julgamento as subvenções de 2008 a 2010, a ocorrer depois do Tribunal Constitucional ter declarado inconstitucionais as normas interpretativas que vinham sendo invocadas para reclamar o perdão, com efeitos retroactivos, de verbas a devolver.

“É altura de assumirem o que devem assumir e de alterar, nomeadamente por iniciativa legislativa, o sistema de subvenções que a economia não suporta, nem os próprios eleitores acham bem”, concluiu Nuno Gonçalves.

Defesa acusa tribunal de “demagogia fácil”
Na defesa do líder parlamentar do PSD Jaime Ramos e do deputado independente João Isidoro, o advogado Guilherme Silva acusou a secção regional do Tribunal de Contas de, com este processo, estar “a brincar com coisas muito sérias como a democracia partidária”, a “fazer demagogia fácil”, a “minar a democracia e a autonomia”, e a “desprestigiar a Assembleia Legislativa da Madeira”.

Segundo o também vice-presidente da Assembleia da República, “persiste ainda a dúvida interpretativa” sobre a legitimidade do Tribunal de Contas para fiscalizar as subvenções.

“Estamos perante verbas que se destinam aos partidos”, sustentou. Além disso, acrescentou, “as assembleias são órgãos políticos, o seu julgamento é feito pelas populações através do voto”.

Também Ricardo Vieira, defensor dos líderes parlamentares do CDS e PS, alegou que o recente acórdão do Tribunal Constitucional, sobre a competência do Tribunal de Contas para fiscalizar as subvenções, “não tem força obrigatória geral”. Segundo o ex-líder regional do CDS,” não ficou provado que os dinheiros foram mal aplicados”, “foram para os partidos”, pelo que “não representam desvio”.

Tanto João Lizardo, advogado do deputado Leonel Nunes (PCP), como Marta Delgado, em representação de Paulo Martins (BE), garantindo que estes demandados “não utilizaram um único cêntimo” das verbas cuja devolução lhes é exigida, alegaram que o Ministério Público não produziu prova no processo. Por seu lado, Baltazar Aguiar, em sua própria defesa, juntou aos autos documentos comprovativos da aplicação das verbas na impressão de cartazes e folhetos a denunciar a ocultação da divida regional, o monopólio nos portos e a “escandaloso desvio de milhões da lei de meios”, ilícitos que, acusou, “o Ministério Público não investiga”.

No final da audiência, o juiz-conselheiro do Tribunal de Contas dos Açores, Nuno Lobo Faria, a quem cabe presidir os julgamentos feitos na secção da Madeira, marcou para ao início de Setembro a comunicação do despacho sobre a matéria de facto, para que as partes se pronunciem no prazo de 10 dias. A sentença só deverá ser proferida em Outubro, conjuntamente com o processo relativo às subvenções de 2006 que, aguardava a decisão do Tribunal Constitucional sobre recurso interposto pelo PM.

No acórdão, aprovado no passado dia 2 de Junho, o Tribunal de Contas viu recentemente reforçada a sua legitimidade para julgar a utilização das subvenções atribuídas pelas assembleias legislativas regionais. Os juízes do Palácio Ratton declararam inconstitucionais as normas introduzidas em 2010 na lei do financiamento dos partidos que, numa versão interpretativa retroactiva, transferiam do Tribunal de Contas para o Tribunal Constitucional a competência para fiscalizar a aplicação das subvenções parlamentares das assembleias regionais.

Reiterando vasta jurisprudência que remete para o Tribunal de Contas tal fiscalização, o acórdão conclui que “a natureza da subvenção em causa não se alterou: trata-se de subvenções especificamente fundadas no exercício da actividade parlamentar e cujo limite material de disposição está adstrito a essa mesma actividade, que não genericamente afectas ou afectáveis à realização dos fins próprios dos partidos”.

 

 

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