Um médico que saiu do sistema: empurrado "para a desilusão”

Geraldes Simões, médico de família e director clínico em unidade privada no Algarve.

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Geraldes Simões reformou-se e só trabalha no sector privado Filipe Farinha

No primeiro dia da greve dos médicos, o PÚBLICO foi conhecer um clínico que em 2012 fez greve, mas que desta vez não vê motivos para aderir à paralisação. Retomámos também o contacto com dois médicos que falaram ao PÚBLICO há dois anos, por ocasião da outra greve, para perceber como se posicionam agora. Um deles vai voltar a aderir aos protestos, falando em razões reforçadas. O outro pediu reforma antecipada por considerar que já não existiam condições para trabalhar no SNS e está agora apenas no sector privado – pelo que assistirá a estes dois dias de greve à distância.

Em 2012, Geraldes Simões, então com 57 anos, falava com o PÚBLICO apoiado numa bengala, que o ajudava a recuperar de uma ruptura de ligamentos. Na altura, este médico de medicina geral e familiar afastou-se excepcionalmente do centro de saúde de Albufeira, no Algarve, para aderir ao protesto convocado pelos sindicatos e tentar travar o que considerava ser a “destruição do Serviço Nacional de Saúde”. “Só abandono o serviço público de saúde quando atingir o limite de idade”, garantia o médico.

Volvidos dois anos, encontrámos Geraldes Simões reformado, ou melhor, fora do Serviço Nacional de Saúde e a acompanhar a greve no sector público à distância. É com desalento que o clínico reconhece que não conseguiu “remar contra a maré”, sentindo que os doentes ficam a perder. Resignou-se a trabalhar só no sector privado em terras algarvias – onde a carência de profissionais de saúde é crónica, ainda mais numa especialidade de medicina familiar onde o país tem um défice histórico. É por isso que o agora director clínico de uma clínica privada tem ainda mais dificuldade em compreender a forma como a tutela trata os seus recursos escassos e acaba depois a ir buscar médicos à América Latina.

“Considero o SNS como uma das principais decisões políticas da nossa democracia. Contribuí com mais de 34 anos para o nosso SNS, acreditando que na Saúde estaria a cumprir o melhor que sabia para o bem comum. Neste contexto, pensei contribuir até ao limite de idade e com orgulho para que o SNS se mantivesse nesse nível e se desenvolvesse. Mesmo em 2012, já com inúmeras desilusões nas atitudes políticas que o foram progressivamente enfraquecendo, mantinha a esperança que algo havia de mudar... Mas de revés em revés fui-me sentindo excluído”, adianta, lamentando que as negociações com o Ministério da Saúde nunca resultem “em nada”.

O médico adjectiva o que sente como “um empurrar para a desilusão” e “um concertar de atitudes para que desistisse”, descrevendo um cenário de reformas antecipadas entre colegas, mesmo perante perda de salário. E estende a toda a região algarvia os problemas de “má gestão”, referindo-se ao Centro Hospitalar do Algarve como “um chá de ervas daninhas” que levou a uma saída em massa de médicos. “A loucura de colocar doentes e médicos em transporte de Faro-Portimão e Portimão-Faro, os cortes orçamentais com impacto directo nas carências de materiais, desde os mais básicos, a perseguição a médicos que honestamente reportavam aos doentes a verdadeira causa de adiamento de actos médicos conduziram à degradação a que se chegou”, remata.

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