Discussão à volta das listas atrasa divulgação do conselho estratégico do BES

Investidores desconhecem as intenções do banco sobre renovação dos empréstimos às empresas não financeiras do Grupo Espírito Santo (GES) sem capacidade para os pagar.

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Vítor Bento reuniu-se com altos quadros do BES Paulo Ricca/PÚBLICO

Resolvido o “enigma” sobre a nova liderança, com as confirmações de Paulo Mota Pinto para chairman, e de Vítor Bento para presidente executivo, permanecem as dúvidas sobre a composição do novo conselho estratégico do Banco Espírito Santo (BES) que tem apenas um nome conhecido para líder: Ricardo Salgado.

A evolução errática do valor de mercado da instituição – a acção do BES fechou na segunda-feira a cair 5%, depois de na sexta-feira se ter valorizado –, não será estranha ao facto de os investidores desconhecerem se o segundo maior banco privado vai, ou não, renovar os empréstimos às empresas não financeiras do Grupo Espírito Santo (GES) que, nesta altura, estão a enfrentar dificuldades de reembolsar as dívidas.

O PÚBLICO apurou que, no universo da ESFG, que detém 21,5% do BES, há quem discorde da intenção de criar fora dos órgãos sociais do banco um conselho estratégico para sentar os accionistas de referência, o que pode estar a atrasar a divulgação dos nomes que serão indicados para fazer parte desta nova estrutura. Isto por, aparentemente, poder concorrer directamente com o conselho de administração (não executivo), o órgão onde os grandes investidores estão representados, assim como gestores independentes e os membros da comissão executiva, nomeadamente, o presidente executivo. Mas também pelo facto dos nomes que serão indicados pela ESFG serem reveladores dos novos "equilibrios" de poder na familia.  

No caso do BES, o jurista e social-democrata Paulo Mota Pinto é o nome indicado para ficar à frente do conselho de administração, enquanto o presidente da SIBS e conselheiro de Estado Vítor Bento foi o escolhido para liderar a comissão executiva, que nos últimos 23 anos teve à frente Ricardo Salgado que, por seu turno, semanas antes havia nomeado como seu substituto o actual administrador financeiro  Amílcar Morais Pires.

No contexto da reorganização do GES, onde se trava um conflito accionista, o Banco de Portugal (BdP) sugeriu que fosse constituído um conselho estratégico para acantonar os interesses da família Espírito Santo, que não pode integrar os órgãos sociais, e assim proteger o banco das suas guerras. Recentemente, o BdP impôs que o conselho passasse a integrar outros accionistas, como o Crédit Agricole (que tem 14% do BES  e terá direito a indicar três representantes), assim como o chairman e o presidente executivo que vão a votos na assembleia geral de 31 de Julho. 

Numa primeira fase, a ESFG propôs em comunicado que Ricardo Salgado, que é o presidente desta holding, assumisse as funções de líder do conselho estratégico. Mas a hipótese gerou protestos dadas as polémicas que envolvem o banqueiro, em particular as que levantam dúvidas sobre o seu perfil de gestor, nomeadamente por ter recebido comissões de um cliente, o que o obrigou, por três vezes, a corrigir a declaração fiscal (e por ter surgido associado à ocultação de contas nas holdings). No fim-de-semana, o nome de Salgado continuava a integrar a lista em discussão no círculo familiar como presidente do conselho.

Mas a clarificação da governação do banco não “apagou” a percepção do mercado de que os problemas em torno do grupo familiar continuam vivos e a afectar o valor da instituição que na segunda-feira manteve a trajectória de carrossel: depois de terem começado a sessão a subir quase 10%, as acções do BES deram um “trambolhão” e fecharam a cair 5,1% ( para 0,713 euros).

Uma tendência que não será alheia às incertezas que existem sobre a capacidade das sociedades não financeiras do GES de pagarem as suas dívidas ao banco. Mas também por se desconhecer qual a intenção do BES: renovar, ou não, os empréstimos. Na passada quinta-feira, a ESFG comunicou que aumentou a sua exposição às empresas da família Espírito Santo para 2,35 mil milhões de euros: mais 980 milhões do que em 2013. No final do ano passado, as dívidas da Espírito Santo International (ESI) e da Rioforte, duas sub-holdings do GES, totalizavam 1,37 mil milhões de euros.

Numa nota emitida no mesmo dia, e citada pelo Financial Times, o departamento de análises do Citigroup alertou para que, no pior dos cenários, o BES possa vir a ter necessidade de voltar a aumentar o seu capital, agora, em 4,3 mil milhões de euros. O Citi quer saber até que ponto a quebra nas sociedades não financeiras do GES vai afectar o pagamento dos créditos directos ao banco português. Um sinal de que para os analistas (uma componente daquilo a que se chama os mercados), cujas opiniões condicionam as decisões dos investidores, o problema de fundo do grupo continua por resolver. Mas o BdP já veio garantir que a instituição financeira está protegida (com provisões e uma nova reorganização societária).

Estas questões têm em conta que as emissões obrigacionistas e de papel comercial colocadas pelo suíço Banque Privée Espírito Santo, um gestor de fortunas detido a 100% pela ESFG (que é supervisionado pela autoridade helvética), junto de clientes particulares (cujas carteiras são objecto de gestão discricionária), estão a vencer e, nalguns casos, em situação de incumprimento. O facto dos activos dos clientes terem sido canalizados pelos gestores de conta para títulos de dívida de sociedades relacionadas com o dono do banco (a ESFG) e em situação de falência pode levantar um conflito de interesses. Na sexta-feira, fonte oficial do Banque Privée garantiu ao PÚBLICO não haver situações de incumprimento com clientes. 

O Expresso Diário publicou segunda-feira um extracto de conta de um cliente do Banque Privée, com uma aplicação de 150 mil euros, onde se vê que o investimento na ESI não valia nada à data de vencimento, a 26 de Junho de 2014. O Banque Privée justificou-se alegando que se trata de um atraso e que a palavra default associada ao email resultou de um erro informático.

Na expectativa está também o pagamento pela Rioforte, em situação de insolvência, da divida contraida junto da PT (papel comercial) de 890 milhões de euros que está a gerar polémica na estrutura accionista da operadora em fusão com a brasileira OI. O Citi e a UBS já comunicaram que reduziram as posições accionistas na PT. O  banco anglo-saxónico baixou de 2% para 1,91%, e a UBS tem agora menos de 5%. 

Entretanto, o dossier BES regressou ao palco politico com o Bloco de Esquerda a exigir que a Ministra das Finanças vá ao parlamento falar do tema. E o PS chamou a atenção para as ligações de Mota Pinto e de Moreira Rato (administrador financeiro) ao PSD. 

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