Homicídio de activista mancha eleições da desilusão na Líbia

Menos de metade dos eleitores inscritos votaram nas segundas legislativas do país desde o derrube de Khadafi.

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Bugaighis esteve na organização dos primeiros protestos contra Khadafi e 2011 Abdullah Doma/AFP

Menos de metade dos eleitores inscritos para votar nas legislativas de quarta-feira na Líbia foram às urnas, numa prova da desilusão causada pelo caos e a violência que se apoderaram do país. Reforçando o ambiente sombrio, Salwa Bugaighis, conhecida advogada e activista dos direitos humanos líbia, foi morta em casa, na cidade de Bengasi (Leste).

Bugaighis tinha ido votar e chegou a publicar na sua página de Facebook fotografias desse momento. Mas pouco depois das 20h, um grupo de homens, encapuzados e vestidos com uniformes militares, forçou a entrada na sua casa e agrediu-a brutalmente. “Foi esfaqueada em várias partes do corpo, mas morreu com um tiro na cabeça”, contou um responsável da segurança à AFP, segundo a qual o marido de Bugaighis está desaparecido desde o ataque.

A missão das Nações Unidas e a embaixadora dos EUA na Líbia juntaram-se à onda indignação pela morte Bugaighis, feminista liberal que esteve na organização dos primeiros protestos contra Khadafi e foi membro da comissão de transição que liderou o país após o derrube do ditador. Era actualmente dirigente da comissão para a reconciliação.

O assassínio - o último a visar activistas e dirigentes em Bengasi - foi o derradeiro acto de um dia manchado pela violência. Horas antes, pelo menos sete soldados morreram e dezenas ficaram feridos numa emboscada atribuída a um dos grupos jihadistas que reinam na cidade que foi o berço da revolução contra Muammar Khadafi, na Primavera de 2011.

O Leste da Líbia é palco de confrontos diários desde que no mês passado um antigo general reuniu várias milícias para lançar, à revelia do Governo, uma ofensiva contra os radicais islamistas. Tanto o general Khalifa Haftar como os rivais tinham prometido cessar os combates enquanto durasse a votação, mas a emboscada fez cair a trégua. Ainda assim, a comissão eleitoral garante que as urnas em Bengasi se mantiveram abertas até à hora prevista.

Em contrapartida, a votação foi suspensa na cidade de Al-Jamil, no Oeste, depois de cinco mesas de voto terem sido atacadas por desconhecidos, e por razões de segurança também não se votou em Derna e Kufra, ambas controladas por milícias islamistas, e em Sabha, a grande cidade do Sul. Apesar dos incidentes, a comissão eleitoral afirma que 98% das mais de 1600 mesas de voto estiveram abertas, embora apenas 630 mil líbios tenham ido às urnas – cerca de 42% dos 1,5 milhões de inscritos, num universo que rondará os 3,4 milhões de pessoas em idade de votar. Em 2012, nas primeiras eleições livres na Líbia em mais de 40 anos, tinham-se inscrito 2,8 milhões de eleitores.

As legislativas foram marcadas no mês passado, numa tentativa de pôr fim ao ciclo de instabilidade política, para a qual muito contribuíram as lutas entre os blocos islamistas e seculares no Congresso Nacional, eleito em 2012 com a tarefa de liderar a transição e presidir à redacção de uma nova Constituição. Dois anos depois, a Líbia não tem ainda uma nova Lei Fundamental e o poder real continua nas mãos das milícias, que se apoderaram dos arsenais de Khadafi e ditam não só a lei nas ruas, como se apoderaram de parte dos terminais petrolíferos do país.

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