Até ao fim da vida

O primeiro Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora que não comprei foi o mais recente, magnífico, de Maio deste ano, que recebi, com um cartão, da editora que mais admiro: Graciete Teixeira, que dirige sábia e sensivelmente os dicionários da Porto Editora.

Fui ver "achaque" e a definição, como sempre, é perfeita: "1.doença ou mal-estar sem gravidade, geralmente recorrente/2.vício; defeito, 3.pretexto, 4.imputação sem fundamento (Do arábico ax-xagg, "dúvida; suspeita".

A partir do meio-século de vida deixa de haver um único sacana de um dia em que não haja um achaque, uma maleita, um toque, uma dor esquisita num dos milhares de componentes do nosso corpo com capacidade para a avaria.

Durante uns dias ainda se sonha que ainda nos espera um dia sem qualquer ax-xagg. Mas esse dia não vem tantas vezes seguidas que é o sonho que desaparece, nunca a dor.

Também é verdade que, com a idade, ficamos mais rabugentos, ampliando-se a nossa definição de achaque. Rabujar torna-se num belo passatempo. Quando se acorda ainda há uns segundos de lusco-fusco em que não se dá pela localização do achaque. É maior o prazer quando ocorre num lugar anteriormente livre de sofrimentos: por exemplo, naquela zona do antebraço que parecia isenta de anomalias.

"Ah!", já se pode, com a minha idade, exclamar em voz alta, "lá estás tu, meu achaquezinho de um raio que te parta ao meio, te triture e te dê a comer aos chacais da serra".

O que nunca acontece.

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