Afegãos voltam às urnas com uma única certeza: Karzai deixará o poder

Décadas de conflitos sem fim, civis, invasões e ocupações. Os afegãos conhecem demasiado bem a guerra e anseiam pela paz. Não há garantias.

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Hamid Karzai no momento da votação AFP PHOTO / Wakil Kohsar
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Mulher afegã vota em Jalalabad AFP PHOTO/Noorullah Shirzada
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O candidato presidencial Abdullah Abdullah AFP PHOTO/SHAH Marai
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O candidato presidencial Ashraf Ghani Ahmadzai REUTERS/Omar Sobhani
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Fila de voto em Cabul REUTERS/Ahmad Masood
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Urnas de voto transportadas por burros na província de Panjshir REUTERS/Omar Sobhani
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Uma afegã, representante da Comissão Eleitoral, sentada junto às urnas Mohammad Ismail/Reuters

Estas deveriam ser umas eleições históricas, as mais importantes de sempre, as que abririam caminho à primeira transição pacífica da vida do Afeganistão. O pluralismo – ou a aparência dada pela existência de várias escolhas – é sublinhado pela necessidade de uma segunda volta, disputada este sábado entre Abdullah, candidato derrotado por Hamid Karzai em 2009 (ele diz que a fraude é que o derrotou), e Ashraf Ghani, ex-ministro das Finanças, que viveu anos nos Estados Unidos, trabalhou no Banco Mundial é a escolha assumida da Casa Branca de Barack Obama.

Em Setembro, vão cumprir-se 13 anos desde o ataque às Torres Gémeas; em Dezembro, terão passado o mesmo número de anos desde que a Aliança do Norte, empurrada pelas bombas de George W. Bush expulsou os taliban do poder e pôs Osama bin Laden em fuga. Foi há onze anos que os iraquianos derrubaram a estátua de Saddam Hussein em Bagdad, ajudados por tanques e marines.

Os EUA saíram do Iraque em 2011 e querem retirar do Afeganistão este ano – neste caso, deixando para trás algumas tropas, algo que terá de ser enquadrado por um acordo bilateral de segurança que o ainda Presidente, Hamid Karzai, colocado no poder pela ONU e por Washington, se recusou a assinar.

O Iraque está a desintegrar-se e o primeiro-ministro que os EUA ajudaram a escolher, Nouri al-Maliki, pede ajuda a Washington para combater os jihadistas do ISIS que avançam há dias, tomando cidades e vilas umas atrás das outras.

Há ciclos que parecem fechar-se ou apenas abrir-se de novo. Obama herdou duas guerras, decidiu que aquela a que chamou “estúpida”, a do Iraque, era para acabar e depressa. E que a do Afeganistão, “uma guerra de necessidade”, iria correr o melhor possível, por que o seu desenlace afectava de forma directa a segurança norte-americana. A herança era pesada e o herdeiro também já cometeu erros. Maliki e Karzi não ajudaram, a política interna paquistanesa muito menos. Da guerra na Síria então nem se fala.

E agora, os taliban atacam em Cabul mas também tentam tomar em dois dias consecutivos o aeroporto de Carachi, o mais movimentado do Paquistão, esse aliado sempre difícil, potência nuclear, que apoiou os mujahedin contra os soviéticos (tal como Washington) e ajudou depois a criar os taliban para derrotar os mesmos mujahedin que tinham tomado o poder e se digladiavam entre si para o manter.

Isto é o que se passa entre o subcontinente indiano e a Ásia Central; no Médio Oriente, há Bashar al-Assad e o Irão e a sua aliança que esmagou uma revolução e que agora se afirma como única com poder para travar os jihadistas que ameaçam Bagdad mas também a Europa (nas suas fileiras, do Líbano ao Iraque, combatem centenas de europeus; alguns já voltaram prontos a atacar, como o francês do atentado ao Museu Judaico de Bruxelas, em Maio).

Nada disto é simples, nem para Obama, nem para Islamabad, Bagdad, Teerão. Muito menos para sírios, iraquianos, paquistaneses, afegãos.

Este sábado vota-se para escolher o sucessor de Hamid Karzai, eleito numa assembleia de representantes das várias tribos e etnias afegãs sob o patrocínio da ONU e da Casa Branca e depois mantido no poder com a protecção dos EUA e da NATO. No fim virou-se contra o criador. E não pára de causar problemas a Obama.

Os afegãos vão votar para escolher entre dois homens e ambos prometem portar-se melhor do que Karzai e manter uma relação militar próxima com os EUA. Haverá afegãos a fazer fila para colocar o boletim de voto nas urnas, alguns convictos, outros menos, alguns nem se darão ao trabalho de sair de casa. “Se o Presidente Karzai não conseguiu derrotar os taliban com um apoio tão alargado da comunidade internacional, nenhum destes tipos o vai conseguir fazer sem a presença da NATO”, diz ao jornal Washington Post Ali, dono de um estúdio de fotografia na capital afegã.

Pactos com o diabo
A primeira volta, a 5 de Abril, correu bem, isto é, para padrões afegãos e tendo em conta os ataques que tinham acontecido durante a campanha: os atentados não foram muitos, só 10% das assembleias ficaram por abrir, estiveram 350 mil soldados e polícias nas ruas, morreram algumas dezenas de pessoas, a maioria taliban. A comissão eleitoral reconheceu um número significativo de fraudes (mais de 3000 denúncias), mas congratulou-se com uma ida às urnas menos fraudulenta do que aquela que manchou a reeleição de Karzai, há cinco anos.

As ameaças dos “estudantes de teologia”, ainda liderados pelo ex-anfitrião de Bin Laden, mullah Omar, repetem-se: “com estas eleições, os americanos querem impor os seus próprios fantoches e enganar as pessoas”; os ataques contra estas eleições serão, prometem “decisivos”.

Tanto Abdullah (que teve 45% na primeira volta) e Ghani (35%), podem vencer. Ambos trabalharão de perto com os EUA.

Para aumentarem as hipóteses de vitória, um e outro já assinaram os seus pactos com o diabo: Ghani deu a vice-presidência a Abdul Rashid Dostum, o comandante uzbeque conhecido por decapitar pessoas e cabras só para entreter convidados; Abdullah, um moderado do ponto de vista religioso, garantiu nas últimas semanas o apoio de vários “senhores da guerra” (quase tão temíveis como Dostum) e passou a iniciar os seus discursos com citações do Corão. Um deles vai iniciar a verdadeira transição política afegã, só não é possível antecipar se o fará a caminho da paz ou de mais violência.

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