Ucrânia tem mais uma semana para pagar dívida à Rússia

Ameaça de corte no fornecimento adiada para a próxima segunda-feira, depois de Kiev ter pago uma parcela do valor exigido pela Gazprom.

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O presidente executivo da Gazprom, Alexei Miller (à esq.) cruza-se com o ministro da Energia da Ucrânia, Iuri Prodan Thomas Peter/Reuters

A empresa estatal russa Gazprom deu mais uma semana ao Governo da Ucrânia para pagar uma dívida astronómica relativa ao fornecimento de gás, levantando assim a ameaça de um corte imediato que poderia afectar também vários países da União Europeia.

A decisão foi anunciada nesta segunda-feira pelo presidente executivo da Gazprom, Alexei Miller, depois de os serviços financeiros da empresa terem confirmado que a Ucrânia fez um pagamento de 768 milhões de dólares (576 milhões de euros) relativo a dívidas acumuladas até ao dia 1 de Abril.

Este pagamento parcial foi anunciado na sexta-feira passada pelo comissário europeu para a Energia, o alemão Guenther Oettinger, e serviu para adiar o problema por mais sete dias, abrindo as portas a uma nova ronda de negociações entre as partes ainda nesta segunda-feira.

Se a Ucrânia não tivesse pago qualquer valor, a Rússia poderia concretizar a ameaça de cortar o fornecimento de gás na terça-feira, dia 3, o que estava também a deixar inquietos vários países europeus – pelo menos 1/3 das importações de gás da União Europeia chega da Rússia, e metade desse valor passa pelos gasodutos instalados em território ucraniano.

Para além de estender o prazo por mais uma semana, a Gazprom anunciou ainda que admite rever o preço a que vende o gás à Ucrânia, mas apenas se Kiev pagar a totalidade da sua dívida. "Se a dívida da Ucrânia for liquidada, a Rússia estará pronta a ponderar a resolução do problema do preço, não apenas através da redução dos custos de exportação, mas também através de negociações empresariais directas", disse Alexei Miller, numa conferência de imprensa.

Com a decisão anunciada nesta segunda-feira, a União Europeia não terá de se confrontar com uma crise ainda mais grave durante a próxima semana, marcada pela reunião de vários líderes mundiais em França, no âmbito do 70.º aniversário do Desembarque na Normandia.

É a primeira vez que os Presidentes da Rússia e dos Estados Unidos vão partilhar o mesmo espaço desde a anexação da Crimeia, num evento que contará também com a presença do recém-eleito Presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko. Não está marcada nenhuma reunião oficial, mas não está afastada a possibilidade de se realizarem encontros informais.

Ucrânia recorre aos tribunais por causa da Crimeia
Mas este alívio em mais uma crise no fornecimento de gás entre a Rússia e a Ucrânia está longe de poder tranquilizar Kiev e Bruxelas. Num resumo da posição de força que ambas as partes têm assumido, a Gazprom exige agora que a Ucrânia pague até à próxima segunda-feira o total da dívida acumulada até 1 de Abril, e o Governo ucraniano admite recorrer aos tribunais se os dois países não chegarem a acordo.

Para extremar ainda mais a situação, o pagamento de 768 milhões de dólares foi feito com base num preço por mil metros cúbicos muito abaixo do que é exigido pela Rússia, e o ministro da Energia ucraniano, Iuri Prodan, disse que o seu país está a preparar um processo contra a Rússia "no valor de centenas de milhares de milhões de dólares" por causa da anexação da península da Crimeia.

Apanhada no meio da disputa, a União Europeia tem servido também de mediadora, através do comissário Guenther Oettinger. Um elemento da sua equipa, citado sob anonimato pela agência russa ITAR-TASS, deu conta da gravidade da situação: "A Comissão Europeia pensa que é necessário explorar todas as possibilidades para se alcançar um compromisso aceitável para ambas as partes. A Rússia e a Ucrânia têm de tentar encontrar, no mínimo, uma solução intermédia para prevenir a interrupção do fornecimento de gás."

Em causa está uma dívida total que a Rússia diz ser superior a 5000 milhões de dólares (3600 milhões de euros) – 2240 milhões de dólares (1642 milhões de euros) acumulados antes de 1 de Abril e o restante relativo aos meses de Abril e Maio.

O ponto de viragem foi o derrube do antigo Presidente ucraniano Viktor Ianukovich, em finais de Fevereiro, poucos meses depois de ter virado as costas a um acordo de cooperação com a União Europeia e assinado um acordo com a Rússia.

Em troca do afastamento da Ucrânia em relação à União Europeia, o Presidente russo, Vladimir Putin, ofereceu ao então Governo ucraniano uma redução no preço do gás, a partir de 1 de Janeiro, de 485 dólares (355 euros) por mil metros cúbicos para 268 dólares (196 euros) – uma redução válida por apenas três meses, sujeita a revisão no final desse prazo.

Com o agravamento da situação na Ucrânia – e, principalmente, com o afastamento de Viktor Ianukovich –, a Rússia decidiu não renovar a redução do preço do gás, voltando a aplicar o preço antigo no início de Abril.

O Governo interino ucraniano recusa-se a pagar a dívida tendo como valor indicativo os 485 dólares por mil metros cúbicos, um preço muito superior à média paga pelos países da União Europeia, e estabelecido em 2009 num acordo entre Vladimir Putin (então primeiro-ministro da Rússia) e a então primeira-ministra ucraniana, Iulia Timoshenko.

Depois deste acordo – que pôs fim a uma das mais graves crises no fornecimento de gás entre os dois países –, Timoshenko viria a ser julgada e condenada a sete anos de prisão por abuso de poder, uma acusação que ela e os seus apoiantes sempre descreveram como uma perseguição política movida por Viktor Ianukovich.

Apesar dos receios de Moscovo de que a condenação de Timoshenko, em 2011, poderia levar o novo Governo ucraniano a renegociar o acordo de 2009, o então primeiro-ministro, Mikola Azarov, fez saber na mesma época que não iria "misturar as duas questões", pelo que a Ucrânia continuou a cumprir os valores assumidos pela sua antecessora.

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