Rússia compra títulos da dívida e oferece gás mais barato a Ianukovich

Oposição acusa Presidente da Ucrânia de ter vendido o país e hipotecado as esperanças de futuro dos ucranianos.

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Putin fez várias ofertas que Ianukovich não pôde recusar Sergei Karpukhin/REUTERS

Um mês depois de ser conhecida a marcha atrás da Ucrânia à União Europeia, o Presidente Viktor Ianukovich foi recebido no Kremlim por Vladimir Putin e saiu de lá com 11 mil milhões de euros e com o compromisso de que o gás russo passará a custar aos ucranianos menos um terço do que custa hoje. Moscovo assegura que estas medidas não estão ligadas a quaisquer “condições”; a oposição ucraniana acusa Ianukovich de ter ignorado os interesses nacionais e vendido o país.

“Tendo em conta os problemas da economia ucraniana, o Governo russo decidiu investir uma parte das suas reservas em títulos do Governo ucraniano”, disse Putin após o encontro na Rússia. “Isto não está ligado a nenhuma condição, nem a um aumento, uma diminuição ou um congelamento de benefícios sociais, reformas, bolsas ou despesas”, acrescentou, numa referência às condições que o Fundo Monetário Internacional impôs a Kiev em troca de um empréstimo.

Putin deu outras garantias: “Quero descansar toda a gente, não discutimos a adesão da Ucrânia à União Aduaneira” – o projecto russo de unir a região que vai da Ucrânia ao Cazaquistão e que faria da Rússia a grande potência euroasiática. Ainda que a união possa não ter sido tema de conversa, Ucrânia e Rússia assinaram mais alguns acordos, abrindo a porta ao levantamento das “limitações comerciais” entre os dois países para o que resta de 2013 e para 2014.

A baixa do preço de gás, que passará de mais de 400 dólares por mil metros cúbitos para 268,5 dólares, altera um acordo assinado em 2009 pela ex-primeira-ministra ucraniana Iulia Timochenko – formalmente, é por causa deste negócio que Timochenko está na prisão. Para o actual líder da oposição, Vitali Klitschko, basta a adenda ao acordo para Ianukovich estar a vender o país: “Ele ignorou os interesses nacionais da Ucrânia, vendeu a independência e a perspectiva de cada ucraniano a uma vida melhor”.

Klitschko falou aos manifestantes reunidos na Praça da Independência de Kiev, poucos, comparados com as multidões que já se viram nas últimas três semanas, mas alguns milhares ainda assim.

A decisão de Ianukovich cancelar um acordo de associação e livre comércio com a União Europeia, anunciada uma semana antes da cerimónia de assinatura, abriu uma crise política na Ucrânia e mobilizou os maiores protestos em Kiev desde as manifestações de 2004, que ficaram conhecidas como “revolução laranja”.

Há quase dez anos, os ucranianos manifestavam-se por causa da segunda volta das eleições presidenciais, que tinham sido manipuladas para favorecer Ianukovich. Do outro lado estavam, para além do rival eleitoral de Ianukovich, Viktor Iuschenko, Iulia Timochenko. Os protestos vingaram e a justiça mandou repetir as eleições, que Iuschenko venceu.

Timochenko foi primeira-ministra até cair em desgraça, quando Ianukovich conseguiu finalmente alcançar a presidência, em Janeiro de 2010. A antiga musa dos protestos de 2004 está presa desde 2011, acusada de ter traído os interesses nacionais ao impor ao país preços exorbitantes de gás russo. Ela diz que as acusações são políticas – uma crítica que muitos políticos europeus ecoaram nos últimos dois anos.

Novas eleições
Os manifestantes que hoje ocupam a mesma praça que em 2004 adiou a chegada de Ianukovich ao poder exigem a demissão do Presidente e a realização de eleições antecipadas. Também rejeitam as tentativas da Rússia para incluir a Ucrânia na sua esfera de influência.

É a permanente luta entre os que preferem uma Ucrânia próxima de Bruxelas e os que preferem estar sob protecção do antigo poder soviético. Aparentemente, a UE perdeu a batalha para Moscovo – Ianukovich assumiu que o recuo no acordo de associação se ficou a dever às pressões russas – mas esta pode ser apenas mais uma fase (Ianukovich chama-lhe uma pausa nas relações). Bruxelas ainda não desistiu de Kiev e o futuro da Ucrânia pode não ser aquele que Ianukovich deseja: para já, o Presidente que quer ficar no lugar e ser reeleito em 2015, vai ter um Inverno a enfrentar muita gente zangada que vive as consequências da crise económica.

O que Ianukovich trouxe esta terça-feira de Moscovo parecem migalhas ao lado dos 610 milhões de euros previstos pela UE como apoio ao acordo de associação e comércio livre, uma parceria que daria à Ucrânia acesso ao mercado interno europeu de 500 milhões de pessoas. Putin dará provavelmente mais do que já deu. Mas a oposição ucraniana não vai desistir da Praça da Independência.

Notícia corrigida: corrige-se o montante do crédito concedido pela Rússia à Ucrânia. O valor correcto são 11 mil milhões de euros.

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