Especialistas divididos sobre altura certa para dar um contraceptivo a uma rapariga

A hipótese de dar contraceptivo às raparigas logo que têm a primeira menstruação divide especialistas. Há quem defenda esta estratégia em nome da prevenção de gravidezes indesejadas e há também quem a considere demasiado radical.

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A sociedade portuguesa ainda está muito focada no preservativo e na pílula Nélson Garrido (arquivo)

Num cenário de cor e de festa, várias raparigas entram na casa de banho acompanhadas de confettis. Entre saltos e gargalhadas, lançam os papelinhos sobre a amiga a quem acabou de aparecer a primeira menstruação. A imagem faz parte de um anúncio de há alguns anos a uma marca de pensos higiénicos, que tentou passar a ideia da naturalidade do momento. É com essa mesma normalidade que alguns especialistas internacionais defendem que os métodos contraceptivos devem ser introduzidos na vida das adolescentes, precisamente quando surge o primeiro período – para evitar o número de gravidezes indesejadas entre jovens. Porém, especialistas portugueses ouvidos pelo PÚBLICO consideram a ideia demasiado radical e defendem que, em Portugal, a existência do Serviço Nacional de Saúde aliada à educação sexual permitem que a escolha do contraceptivo seja feita de forma mais personalizada e na altura certa.

Para o ginecologista Christian Fiala, da Sociedade Austríaca de Planeamento Familiar, uma gravidez indesejada numa adolescente “é sempre mais errada do que proporcionar métodos contraceptivos antes das relações sexuais acontecerem”. Numa entrevista ao PÚBLICO em Munique, durante um encontro sobre a contracepção moderna e os seus benefícios, riscos e desafios, promovido recentemente pela farmacêutica Bayer HealthCare, o médico assumiu que a possibilidade de dar às raparigas um método contraceptivo assim que começam a ter a menstruação “é um debate difícil e que pode entrar num campo muito moral”.

Ainda assim, o médico defendeu que “é uma irresponsabilidade não dar”. “Os adultos têm de perceber que não são donos da vida das jovens, que não somos nós que estamos na cama com elas e, por isso, não vale a pena acharmos que controlamos aquele momento”, justificou Fiala. Este e outros temas serão debatidos até domingo, em Lisboa, por ocasião do congresso da Sociedade Europeia de Contracepção e Saúde Reprodutiva, que decorre neste ano em Portugal e tem como mote Desafios na Saúde Reprodutiva e Sexual.

Reforço da educação sexual
O presidente da Sociedade Europeia de Contracepção, Johannes Bitzer, presente no encontro na Alemanha e que também estará em Lisboa, foi mais cauteloso nas palavras, mas corroborou a ideia de Fiala. O também ginecologista sublinhou que “esta não é uma discussão católica, mas da maior importância social, pois as gravidezes não desejadas têm mais consequências do que a contracepção começada na adolescência”. Ainda assim, Bitzer acredita que o mais importante é apostar na educação sexual, pois “não é um assunto que deva ser só deixado aos pais”. “Tem de ser pelo lado da educação sexual que ajudamos os adolescentes a perceber quando e como iniciar a vida sexual, não é proibido. Se estiverem todos protegidos [desde a menstruação] então estamos a cumprir o nosso papel”, reforçou.

Só que para o presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, Luís Graça, as soluções generalizadas não devem ser o caminho. O também director do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Santa Maria considera que é preciso ir mais longe nesta matéria, mas no sentido de dar a possibilidade de na altura certa as raparigas terem acesso a um método adequado, sem nunca esquecer o preservativo nas relações ocasionais. “Tendo em consideração que a menstruação pode surgir aos 10 ou 11 anos e que a média de idades real de início das relações sexuais é uns anos mais tarde, parece-me inapropriado uma introdução precoce só porque sim”, contrapôs Luís Graça, mas salvaguardando que “o ideal é que haja um contacto com um médico antes da primeira relação sexual para a escolha do método apropriado”.

Em termos de dados portugueses, o estudo Health Behaviour in School-aged Children, conduzido por Margarida Gaspar de Matos junto de uma amostra de alunos do 8.º e 10.º ano, indica que mais de 80% dos inquiridos disseram nunca ter tido relações sexuais. Entre os que tiveram, 80% afirmaram que começaram com 14 ou mais anos, com 9% dos rapazes a referir que foi com menos de 11 anos, contra 2% nas raparigas. O preservativo esteve presente em quase todas as relações, com a pílula a reunir 37% das escolhas das raparigas.

Em relação aos motivos para começar a vida sexual, metade dos adolescentes responderam que queriam experimentar, 47% que estavam muito apaixonados, 28% que já namoravam há muito tempo, 18% admitiram que foi por acaso e 13% para que o parceiro não ficasse zangado. O mesmo trabalho mostrou, ainda, que os adolescentes que tiveram educação sexual até iniciaram a vida sexual tarde e são os que têm menos relações sexuais desprotegidas.

Um país de pílulas
É precisamente no método a escolher que a presidente da Sociedade Portuguesa da Contracepção, Teresa Bombas, coloca a tónica, pois a toma não correcta compromete os resultados. Em mais de metade das gravidezes não planeadas as mulheres utilizavam algum tipo de contraceptivo. “Se vamos dar a pílula a uma rapariga, o que implica uma lembrança diária, e esta se esquecer então vamos estar a ser contraproducentes. Em termos de contracepção, a idade não é um marco mas sim a necessidade”, explica a médica, que lembra que a realidade de países nórdicos, como o de Christian Fiala, difere da portuguesa, onde o acesso gratuito a vários métodos contraceptivos tem permitido que a utilização seja proporcionalmente mais elevada em Portugal.

Luís Graça e Teresa Bombas reconhecem que a sociedade portuguesa ainda está muito focada no preservativo e na pílula. Mas os médicos asseguram que, cada vez mais, quando há uma conversa de esclarecimento com os doentes, é frequente que as mulheres, independentemente da idade, optem por métodos de duração mais alargada, como o adesivo, o anel vaginal, o implante ou o novo dispositivo intra-uterino de libertação hormonal, mais fácil de colocar que os anteriores e que inibe a menstruação em 20% dos casos.

Aliás, a tendência para utilizar métodos que interrompem por completo a menstruação, debatida em Munique, começa a ser comum – com Christian Fiala a defender que o futuro da contracepção está em soluções que não dependem de lembrança diária e a sublinhar que as mulheres de hoje, ao engravidarem muito poucas vezes, acabam por ter muito mais vezes a menstruação “de que não precisam e que só insistem em manter por mitos e receios infundados”.

Só que para isso, alerta o director da Associação para o Planeamento da Família, é preciso assegurar que as várias alternativas estão disponíveis. Duarte Vilar mostra-se preocupado com o impacto da crise nos serviços de saúde, alertando para algumas assimetrias territoriais que se estão a criar no acesso a contraceptivos. “É verdade que estamos numa boa linha por comparação europeia, mas não a podemos largar”, acrescentou, denunciando casos como o da Administração Regional de Saúde de Lisboa, que não está a fazer chegar alguns métodos mais modernos aos centros de saúde.

Olhando para os dados relativos a gravidez entre adolescentes, a realidade portuguesa é das mais positivas. Portugal é o 11.º país da União Europeia em termos de nascimentos de bebés de mães com menos de 20 anos, com as adolescentes entre os 15 e os 19 anos a terem 3306 filhos em 2010, segundo o último relatório da Organização das Nações Unidas sobre a Situação da População Mundial em 2013. No que diz respeito aos abortos, que estão em queda em todas as faixas etárias, nestas idades representam pouco mais de 10% do total, salientou Duarte Vilar. Só que para o sociólogo, ainda que esteja de acordo que a educação para a contracepção seja feita numa fase precoce, “falta ainda mais que [a educação] seja feita de forma consistente, sobretudo no ensino secundário”.

A jornalista viajou a Munique a convite da farmacêutica Bayer HealthCare

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