O Kremlin não quer, mas Kiev vai realizar as presidenciais “custe o que custar”

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O "rei do chocolate", Petro Poroshenko, é o favorito à presid~encia da Ucrânia DR

Cruciais para os norte-americanos, “destrutivas” para Moscovo : as autoridades pró-ocidentais de Ucrânia esforçam-se por organizar umas eleições presidenciais antecipadas, no dia 25 de Maio, para reforçar a sua legitimidade em plena insurreição separatista pró-russa no Leste do país.

A um mês do escrutínio, convocado em Fevereiro após a destituição de Presidente pró-russo, Viktor Ianukovitch, os candidatos que saíram das fileiras da contestação são os grandes favoritos: o "rei do chocolate" e milionário que apoiou abertamente a revolução da Maidan, Petro Poroshenko, seguido da ex-primeira-ministra Iulia Timoshenko, libertada da prisão após a fuga do anterior Presidente.

Mas para que um ou outro vença é preciso que as eleições se realizem, o que está longe de ser um dado adquirido.

Depois de ter perdido em Março a península da Crimeia, que foi anexada pela Rússia, Kiev combate agora os insurrectos pró-russos no Leste do país, onde o Kremlin ameaça intervir. Os separatistas, que controlam total ou parcialmente, mais de uma dúzia de cidades ucranianas, reclamam a realização de um referendo no dia 11 de Maio sobre a “federalização” do país, com o objectivo futuro de algumas regiões virem a ser também elas anexadas pela Rússia.

Neste contexto, Moscovo que é acusado por Kiev e o Ocidente de ter fomentado os confrontos na Ucrânia, já avisou que não vai reconhecer as eleições presidenciais. “Organizar umas eleições sem encontrar um terreno de entendimento com o Leste e o Sul [regiões com largas fatias de populações russófonas] da Ucrânia é muito destrutivo para o país”, repetiu esta semana o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov.

Para Kiev, o raciocínio é outro: o sucesso das presidenciais é considerado condição essencial para repelir a “agressão russa”. A votação poderá ser “a mais importante da história da Ucrânia”, disse o vice-Presidente norte-americano, Joe Biden, que esta semana foi a Kiev para demonstrar o apoio dos EUA às novas autoridades ucranianas.

“É preciso que esta eleição se realize, custe o que custar. A desestabilização deve-se ao facto do país não ter um Presidente legítimo”, considera o analista político ucraniano, Volodimir Fessenko.

Na região rebelde de Donbass (leste), mais de 70% dos habitantes consideram ilegítimas as autoridades de Kiev que chegaram ao poder depois da contestação a Ianukovitch.

“Se as eleições se realizarem, será muito difícil organizá-las normalmente na região de Donetsk”, considera o politólogo local Kirill Tcherkachine, estimando que as cidades controladas pelos insurrectos pró-russos não vão poder estabelecer comissões eleitorais e que os habitantes estariam inclinados a boicotar a votação, sabendo à partida que os candidatos pró-russos não teriam nenhuma hipótese.

Para Olexandre Tchernenko, que dirige uma organização não-governamental que faz vigilância eleitoral na Ucrânia, a situação não é assim tão dramática. “A mobilização será grande, à volta dos 70% em todo o país. E no Leste mais de 50% dos eleitores dizem-se dispostos a participar na votação”, sublinha, considerando que os 23 candidatos que concorrem às presidenciais, incluindo pelo menos dois pró-russos, “representam todo o espectro” político, tanto no Leste russófono como no Ocidente nacionalista.

“Destruir estas eleições faz parte dos planos da Rússia. É por isso que é tão importante fazer tudo para que se realizem”, diz Olexiï Garan, da academia Kiev-Moguila, em Kiev. Mesmo que as autoridades não consigam organizar a votação em todas as localidades, “a comunidade internacional vai reconhecer as eleições”, considerou.

O líder da comissão eleitoral central da Ucrânia, Mikhaïlo Okhendovski, garantiu na quinta-feira que a agitação militar no Leste não vai ter “nenhum impacto” no escrutínio que se vai realizar “seja qual for a meteorologia política”.

A própria realização das eleições irá marcar uma vitória da Ucrânia sobre Vladimir Putin, que joga na “fraca legitimidade do poder de Kiev no Leste para manipular as pessoas”, escreveu no seu blogue Vassil Gatsko, líder do movimento Aliança Democrática, que esteve muito activo durante a revolução da Maidan.

Quanto ao referendo reclamado pelos separatistas antes das presidenciais, os analistas e peritos consideram que, ao contrário da Crimeia, os pró-russos do Leste não têm condições para o organizar, já que não contam com o apoio das autoridades locais e não têm recursos financeiros para tal. “Eles podem convocar um pseudo-referendo para desestabilizar a situação, mas não podem realizá-lo em Donetsk ou em Lugansk”, as duas grandes cidades industriais do Leste, considera Olexiï Garan.

“As suas exigências têm um efeito mediático mas não representam uma ameaça política”, remata Vadim Karassev, do Instituto de Estratégias Globais, em Kiev.

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