Kerry investiu tudo na paz no Médio Oriente, mas a paciência está a chegar ao fim

Secretário de Estado norte-americano insta as partes a darem "passos construtivos" e avisa que "há limites para o tempo que os EUA podem dispensar" às negociações israelo-palestinianas.

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John Kerry recebeu o apoio do Presidente dos EUA, Barack Obama, e da União Europeia REUTERS

É um misto de frustração e desespero, mas que também pode funcionar como um despertador para "acordar para a realidade". O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, deu a entender que o processo de paz israelo-palestiniano está à beira do colapso, e afirmou que as negociações só poderão avançar se o Governo israelita e a Autoridade Palestiniana derem "passos construtivos".

Em Junho de 1990, o então secretário de Estado norte-americano, James Baker, descarregava a sua frustração com o impasse no processo de paz israelo-palestiniano durante uma audição na Câmara dos Representantes: "Todos eles devem ser informados de que o número de telefone [da Casa Branca] é o 1-202-456-1414. Quando quiserem falar a sério sobre paz, liguem-nos."

Mais de duas décadas depois, o actual secretário de Estado, John Kerry, ficou a um passo de recordar aos líderes israelitas e palestinianos dos contactos da Administração Obama, mas por trás do seu aviso está a mesma parede em que James Baker bateu: "Há limites para o tempo que os Estados Unidos podem dispensar, se as partes não querem dar passos construtivos para seguirem em frente", afirmou Kerry, numa conferência de imprensa em Marrocos, na última paragem de uma viagem oficial dominada por escalas na Europa e no Médio Oriente.

No final de uma semana particularmente frustrante para as negociações israelo-palestinianas – um sentimento amplificado pela aposta pessoal de John Kerry em imortalizar o seu mandato com a assinatura de um acordo histórico –, a Administração Obama sinalizou a sua impotência para chegar onde nenhum outro Governo americano chegou até hoje. Mas as palavras aparentemente derrotistas do secretário de Estado podem também funcionar como uma última tentativa para manter os dois lados sentados à mesma mesa.

Ninguém anunciou oficialmente o fim da mais recente tentativa de assinar um acordo até ao final de Abril, que foi impulsionada por John Kerry no Verão do ano passado. Neste domingo, as delegações israelita e palestiniana voltam a discutir o processo de paz com o enviado norte-americano Martin Indyk, e tudo voltou a ser possível depois de Kerry ter tornado público o seu cansaço.

"Ambas as partes dizem que querem continuar, ninguém disse que quer desistir, mas nós não vamos ficar lá indefinidamente. (…) Infelizmente, ambas as partes deram passos nos últimos dias que não ajudam", criticou o secretário de Estado norte-americano.

Acusações mútuas
Em traços gerais, o novo impasse no processo de paz israelo-palestiniano não é muito diferente dos que têm frustrado a assinatura de um acordo relativamente sólido nas últimas décadas – neste caso, o Governo de Israel acusa a Autoridade Palestiniana de ser responsável por violar compromissos delineados por John Kerry no ano passado, e a Autoridade Palestiniana devolve a acusação ao Governo israelita.

Como parte do plano apresentado pelo secretário de Estado norte-americano, Israel deveria libertar uma quarta e última leva de 26 prisioneiros palestinianos a 29 de Março e abrandar a construção de novos colonatos na Cisjordânia; em troca, a Autoridade Palestiniana deveria aceitar o prolongamento das negociações de paz até 2015 (para além data inicial, agendada para finais de Abril de 2014) e abster-se de procurar o reconhecimento oficial da Palestina junto de organizações internacionais.

Nenhum destes passos foi respeitado, e uma das partes está convencida de que a outra é a única culpada. Nem o facto de a Administração Obama ter acenado com a libertação de Jonathan Pollard – um norte-americano condenado a prisão perpétua nos EUA por espionagem a favor de Israel, e cuja libertação Telavive pede há duas décadas – serviu para abrir as portas do entendimento. 

À primeira vista, estão lá todos os ingredientes para mais uma receita de falhanços, mas a verdade é que ninguém tem interesse em que as negociações cheguem ao fim, especialmente John Kerry, que tem em jogo grande parte da sua reputação diplomática. "Há uma tremenda agitação na região [Egipto, Irão] e a nível internacional [Rússia]. Querem mesmo acrescentar mais um problema?", questionou Dennis Ross, antigo conselheiro para o Médio Oriente nos governos de George Bush (pai), Bill Clinton e Barack Obama. "Não queremos o colapso de algo em que temos investido", afirmou o experiente diplomata ao jornal israelita Yedioth Ahronoth.

Apoio de Obama e da UE
Seja como for, a assinatura do acordo histórico sonhado por John Kerry em Julho de 2013 está cada vez mais distante, e o secretário de Estado norte-americano deverá ter de se contentar, na melhor das hipóteses, com o prolongamento das negociações até 2015.

Ao fim de nove meses de uma aposta pessoal de Kerry no processo, o Presidente dos EUA, Barack Obama, e a União Europeia (UE) vieram nas últimas horas incentivar o secretário de Estado a não baixar os braços.

Numa reunião com a sua equipa de segurança nacional, na sexta-feira, Obama elogiou Kerry, ao mesmo tempo que deu conta da sua própria frustração com as fugas de informação da Casa Branca nos últimos dias. "Vejo muitos responsáveis de topo citados sobre Kerry e a paz no Médio Oriente, mas eu sou o principal responsável e não tenho nada a não ser admiração pela forma como o John tem gerido este processo", disse o Presidente norte-americano, citado pelo The New York Times.

Já neste sábado, na declaração da reunião informal dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, que este ano teve lugar em Atenas, na Grécia, a responsável pela política externa europeia, Catherine Ashton, reservou o último parágrafo para incentivar John Kerry a prosseguir os seus esforços. "Quero também deixar bem claro o nosso total apoio ao secretário [de Estado norte-americano] Kerry e ao trabalho que ele está a desenvolver no processo de paz no Médio Oriente, numa época extremamente desafiante."

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