Rússia desvaloriza sanções e diz que vai procurar "novos parceiros do outro lado do globo"

"O mundo não é unipolar, por isso iremos concentrar-nos noutros parceiros económicos", disse o porta-voz do Presidente Vladimir Putin. Alemanha suspende negócio para construção de campo de treinos para as Forças Armadas russas.

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Moscovo sublinha a "dependência económica mútua" entre a Rússia e a União Europeia ALEXEY DRUZHININ/afp

Depois do anúncio da aplicação de sanções a um punhado de políticos russos, recebido em Moscovo com um misto de desprezo e escárnio, a Rússia tenta agora minimizar as ameaças de cortes económicos mais profundos. Se o objectivo de Bruxelas e Washington é asfixiar a economia russa, os negócios vão procurar "novos parceiros do outro lado do globo", disse Dmitri Peskov, porta-voz do Presidente Vladimir Putin.

Com a integração da Crimeia na Federação Russa selada na terça-feira, em Moscovo, numa cerimónia marcada por aplausos, lágrimas e pela evocação da unidade perdida com o fim da União Soviética, a Rússia mostra-se cada vez mais confiante na ideia de que as relações económicas e financeiras do mundo actual deixam os dois lados reféns um do outro.

"Se um parceiro económico de um lado do globo impuser sanções, a nossa atenção vai virar-se para novos parceiros do outro lado do globo. O mundo não é unipolar, por isso iremos concentrar-nos noutros parceiros económicos", disse o porta-voz de Vladimir Putin, citado pela agência russa RIA Novosti.

Mais do que responder às sanções direccionadas a alguns políticos russos e ucranianos, a Rússia procura relativizar as consequências de uma posição mais forte de Bruxelas, que será discutida na reunião de chefes de Estado e de Governo de quinta e sexta-feira, e que poderá passar pela redução da dependência em relação a gigantes da energia como a Gazprom.

Mas o cheque de 3,5 mil milhões de euros que os países da UE depositam todos os meses na conta da empresa russa diz a muitos analistas que só será possível isolar a Rússia de Vladimir Putin se os europeus estiverem também dispostos a pagar um preço elevado.

"O problema é que a Rússia também tem cartas na manga. É possível causar muitos danos à economia russa, mas isso vai ter um preço para o sistema económico global, uma realidade bem conhecida pelos políticos norte-americanos e da Europa ocidental. A retórica não custa nada. As acções concretas têm um preço", escreve o jornalista da BBC Jonathan Marcus, especialista nas áreas de diplomacia e defesa.

Alexander Shirov, economista da Academia de Ciências Russa, sublinha essa interdependência, que será mais fácil de quebrar por palavras do que por acções: "A economia russa representa três por cento da produção mundial de riqueza. Geramos uma procura considerável por produtos europeus, que é crucial para países como a Alemanha, a Itália e França. A ausência de relações comerciais e económicas normais com a Rússia representa uma perda para esses países."

Por causa desta interdependência, argumenta a Rússia, o melhor é que tudo fique na mesma, e que Washington e Bruxelas aceitem a integração da Crimeia e ponham de lado a ideia de reforçar sanções.

"Queremos manter boas relações com a União Europeia e com os Estados Unidos. Em particular com a União Europeia, porque é o principal parceiro da Federação Russa em termos económicos, de investimento e de comércio. A nossa dependência económica mútua pressupõe que precisamos de manter boas relações", disse Dmitri Peskov.

Na reunião de quinta e sexta-feira em Bruxelas, os chefes de Estado e de Governo da UE vão discutir dois caminhos para uma resposta à integração da península da Crimeia na Rússia – um mais curto e simples, através da suspensão de vistos e congelamento de bens no estrangeiro de outras personalidades da política russa; e outro mais longo e sinuoso, que passa pela procura de alternativas à dependência do sector energético russo.

Mais uma vez, falar não custará muito, mas poucos esperam a tomada de posições concretas que possam afectar a curto prazo as relações económicas com a Rússia. A única certeza, escreve a agência Reuters, é que os líderes europeus concordam que devem fazer algo para retirar poder de fogo energético a Moscovo.

Em cima da mesa de negociações estão alternativas como uma maior aposta nas energias renováveis e na extracção de gás de xisto, mas também uma mudança de uma parte das importações da Rússia para as balanças comerciais de países como os Estados Unidos ou o Qatar.

A ideia de reduzir a dependência energética da Rússia começou a ser desenvolvida após a invasão da Geórgia, em 2008, mas foi perdendo força à medida que as relações com Moscovo se foram normalizando. Seis anos depois – e apesar das diferenças entre os dois casos –, os líderes da UE enfrentam o mesmo dilema, como salienta o jornalista da BBC Gavin Hewitt: "Mais cedo ou mais tarde, a menos que o Presidente Putin altere o seu rumo – o que parece improvável –, o Ocidente será obrigado a aceitar a perda da Crimeia como um facto consumado, ou então terá de aplicar sanções comerciais."

Os olhos estão postos na Alemanha, frisa Hewitt. "Se a crise se acentuar, será que o país que mantém uma relação económica especial com a Rússia estará disposto a aceitar alguns prejuízos económicos para, pelo menos, dar ao Presidente Putin tempo para pensar?"

Nos dias que antecederam o referendo na Crimeia, a chanceler alemã, Angela Merkel, fez um discurso muito duro no Parlamento alemão, ameaçando a Rússia com "enormes prejuízos em termos económicos e políticos". Nesta quarta-feira, o número dois do Governo alemão, Sigmar Gabriel, suspendeu um acordo entre a Rheinmetall e Moscovo para a construção de um campo de treino para as Forças Armadas russas, depois de a empresa alemã ter reafirmado que iria cumprir o contrato, e na sequência de fortes críticas dos deputados dos Verdes, na oposição.

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