As eleições europeias e a confiança da (na) União

A presente crise de confiança é uma ameaça real ao Projecto Europeu.

As eleições para o Parlamento Europeu, no próximo mês de Maio, serão as mais nacionais das eleições europeias e, paradoxalmente, deveriam ser as mais europeias no historial dessas eleições. A crise económica e financeira na União Europeia “re-nacionalizou” a agenda da União, na exacta proporção em que a demora e a hesitação na resposta das Instituições europeias, remeteu a resolução dos problemas para cada um dos Estados-membros que os enfrentava.

As Instituições da União procuraram circunscrever geograficamente a crise, de forma a torná-la “regional”, ao mesmo tempo que envolveram o Fundo Monetário Internacional nos Programas de Assistência Económica e Financeira, de modo a assegurar uma dimensão global à solução. Mas ao fazê-lo, “nacionalizaram” a desigualdade e concentraram sobretudo a responsabilidade nos Estados-membros. Colocaram em risco valores fundamentais, como o princípio da solidariedade e o da coesão e permitiram que a percepção de perda de confiança na União se generalizasse. Não é por isso de estranhar que muito do debate europeu esteja hoje quase exclusivamente centrado em questões nacionais.

A institucionalização da desigualdade, associada à perda de confiança nos governos nacionais e nos modelos de governação, bem como nas estruturas supranacionais de integração e/ou de supervisão, são alguns dos riscos, para os quais, Joseph Stiglitz alertava em 2012 em The Price of Inequality. How Today’s Divided Society Endangers our Future. E, não obstante, tal como sustenta Vasco Graça Moura em A Identidade Cultural Europeia, na Europa “a evolução da última década, consagrou o princípio da desigualdade dos Estados-membros, ou seja, o inverso do pressuposto sobre o qual a Europa Comunitária e as suas instituições foram criadas”.

Sabemos, como defendeu Milton Friedman em Capitalism and Freedom de 1962, que “só uma crise, real ou percebida, produz verdadeiras mudanças, e que quando essa crise ocorre, as medidas que se tomam dependem das ideias que andam no ar”. Mas sabemos também que é mais fácil a cooperação e a solidariedade em tempos de abundância, e que o grande teste à convergência e à concórdia surge nos momentos mais difíceis. Temos por isso consciência de que esta crise é um teste ao futuro da União, ao qual não bastará responder com as “ideias que andam no ar”, mas sobretudo ter presente, como escreveu S. Tomaz de Aquino, que “a concórdia não é a uniformidade de opiniões, mas a concordância de vontades”.

A presente crise de confiança é uma ameaça real ao Projecto Europeu e estará, por certo, no centro do debate que antecederá as próximas eleições. A crescente normalidade com que os europeus parecem estar a encarar propostas eurocépticas e nacionalistas mais radicais, é por ventura a maior demonstração disso. Compreende-se assim, o esforço da Comissão Europeia em fazer crer que a Europa não é responsável pela crise actual e que a situação presente é apenas uma dificuldade conjuntural e não um processo de declínio continuado, e estrutural, da União.

Mas, para o conseguir demonstrar, já não será suficiente lançar estatísticas para cima do problema, dado que muitos dos cidadãos europeus parecem já ter deixado de ouvir. Estas eleições, constituirão uma importante prova de vida para os ideais da Europa, e é imprescindível que a União introduza novos argumentos que perspectivem o futuro e reafirmem a razão porque deve merecer a confiança e o apoio dos seus cidadãos.

Neste sentido, será crucial que nas próximas eleições se possa efectivamente discutir o futuro da União e as questões que farão parte desse futuro. Alguns exemplos: i) a forma como esta irá lidar com o declínio demográfico e o envelhecimento populacional; ii) as alterações climáticas e o seu impacto em cada Estados-membros; iii) as soluções para a salvaguarda e gestão transnacional de recursos naturais e do ambiente; iv) os instrumentos para a recuperação económica, a reindustrialização e a criação de emprego; v) as condições para a reinvenção do ideal europeu e para dar resposta aos novos desafios societais e vi) o debate sobre o modelo desejável de evolução para a construção europeia.     

De modo a, como defende Adriano Moreira em Memórias do Outubro Ocidental. Um Século sem Bússola, 2013, “reinventar uma diplomacia que não seja inspirada pela afirmação de que a política é a continuação da guerra por outros meios, mas sim pela convicção de que a paz, sempre sujeita aos desafios e riscos, deve ser o objecto do esforço convergente”.

Professor Auxiliar com Agregação, Universidade de Évora, Dep. Economia

neto@uevora.pt
 

   


 

   

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