Obama e os Monty Python

A posição de muitos analistas acerca do trabalho de Barack Obama assemelha-se bastante à cena dos Monty Python.

Numa das cenas mais divertidas do filme dos Monty Python A Vida de Brian, o líder da Frente Popular da Judeia pergunta: “O que é que os romanos fizeram por nós?” O diálogo que se segue entre ele e os militantes do movimento é hilariante: “Fizeram o aqueduto. – É verdade, mas para além do aqueduto? – Fizeram os serviços sanitários. – Certo, mas para além do aqueduto e dos serviços sanitários? – Fizeram as estradas. – E para além do aqueduto, dos serviços sanitários e das estradas? – Trouxeram a irrigação, a medicina, a educação, a segurança. – Sim, mas para além do aqueduto, dos serviços sanitários, das estradas, da irrigação, da medicina, da educação e da segurança, o que é que os romanos fizeram por nós?”

Agora que passa um ano desde a tomada de posse de Barack Obama – e cinco desde a primeira eleição – é interessante fazer um balanço do seu trabalho. Várias análises inclinam-se para considerar que o Presidente dos Estados Unidos fez muito pouco, ou quase nada. Corresponde isso à realidade? O que é que Obama fez?  

Acabou com duas guerras: Afeganistão e Iraque. Estas eram desnecessárias (é certo que, no primeiro caso, os EUA não podiam deixar de responder aos ataques de 11 de Setembro de 2001, mas a forma como o fizeram foi um erro. Parece suficiente recordar que eles estão no Afeganistão há mais de uma década), consumiram recursos esmagadores ao país, limitaram as suas opções estratégicas, tornaram-nos mais inseguros, reduziram a sua capacidade de influência no chamado “Grande Médio Oriente” e vão acabar numa derrota, mais ou menos camuflada (e, o que é ainda mais importante, no primeiro caso também com a derrota da NATO). Além disso, desviaram Washington da mais importante ameaça, que reside no desafio à ordem internacional liberal resultante da ascensão das potências não-democráticas, sobretudo a China. Indo mais longe, Obama alterou profundamente a grande estratégia dos Estados Unidos, adoptando uma orientação traduzida no conceito de Retrenchment (Retraimento), que reduz de forma significativa o envolvimento norte-americano no mundo, circunscrevendo-o às três áreas vitais para a segurança do país, como sejam, a Europa, a Ásia-Pacífico e o Golfo Pérsico, acabando assim com a loucura neoconservadora que prescrevia que qualquer acontecimento, em qualquer parte do mundo, era uma ameaça aos interesses da América, logo obrigava ao seu envolvimento à escala global.

Eliminou Osama Bin Laden. Para além da importância simbólica da eliminação do inimigo público n.º 1 dos americanos (basta recordar a forma como a notícia foi celebrada nas ruas dos EUA), também permitiu enfraquecer seriamente a Al-Qaeda, decapitando a sua cabeça saudita e retirando-lhe o líder inspirador. É certo que ela não desapareceu, mas, como se tem visto, é incapaz de levar a cabo operações para além dos países islâmicos, não tendo havido qualquer atentado da sua autoria no chamado Ocidente desde os de 2005 em Londres.

Conseguiu um acordo histórico com o Irão. Obama não só resistiu à pressão interna e de alguns aliados regionais para bombardear o Irão, o que teria sido um desastre, como conseguiu um acordo com profundas consequências geopolíticas e tão espectacular como a abertura à China de Richard Nixon em 1972. Este entendimento americano-iraniano evita um mais que provável conflito generalizado no Médio Oriente, impede Teerão de obter armas nucleares, afasta a proliferação nuclear a nível internacional e contribui para algum restabelecimento dos equilíbrios de poder regionais, que entraram em colapso depois do erro colossal da destruição do Iraque – o principal equilibrador do Irão. Acresce que o acordo tem tudo para resultar, pois corresponde aos interesses vitais dos dois países, garantindo à América a não-proliferação nuclear e ao Irão a segurança nacional e a sobrevivência do regime. Finalmente, abre uma janela de oportunidade para o regresso do processo de paz no Médio Oriente, podendo levar, paradoxalmente, à moderação das potências desestabilizadoras, incluindo Israel. Uma última palavra: caso o acordo falhe, os norte-americanos terão finalmente a base de legitimidade necessária para, no limite, bombardear o Irão, pois nesse caso podem alegar tudo ter feito para uma solução pacífica do problema, sendo a responsabilidade disso não ter acontecido de Teerão.

Forçou a destruição do arsenal de armas químicas da Síria. Apesar dos seus críticos consideraram o caso da Síria uma derrota para Obama, ao fim e ao cabo ele conseguiu traçar uma “linha vermelha” que serve de exemplo para todos os outros Estados, deixando claro que o uso das chamadas armas de destruição maciça, mesmo dentro das próprias fronteiras, não deixará de ser punido, forçou a destruição do arsenal de amas químicas do regime sírio e ainda deixou bem clara a sua determinação para o caso de os iranianos ainda terem dúvidas a esse respeito, tudo isto sem disparar um único tiro. 

Evitou uma nova grande depressão. Com a política de injecção de dinheiro público na economia (de resto, começada por George W. Bush), Obama impediu uma depressão semelhante, ou pior, à dos anos 1930, evitou o colapso de sectores vitais da indústria norte-americana, como a automóvel, e ainda pôs a economia a crescer (estima-se que cresça mais de 4% no último trimestre de 2013) e a criar empregos (a taxa de desemprego tem vindo a descer de forma consistente, apontando as previsões para que nos primeiros meses de 2014 baixe finalmente a barreira dos 7%). Ao mesmo tempo, ele fez aprovar alguns pacotes legislativos destinados a uma maior regulação dos mercados financeiros e, se é certo que o que foi feito é ainda insuficiente, tal representa uma inversão da tendência seguida no essencial desde os anos 1970.

Aprovou o mais importante programa de cuidados de saúde desde a criação do Medicare e do Medicaid pela administração Lyndon Johnson em meados dos anos 1960. O Obamacare, não correspondendo a um sistema nacional de saúde, alarga significativamente o âmbito das pessoas cobertas por seguros de saúde com comparticipação pública, antes restrito aos mais carenciados e aos idosos, estimando-se que possa vir a abranger entre 40 e 50 milhões de norte-americanos que estavam excluídos do acesso a cuidados médicos. Acresce que a aprovação do Obamacare foi uma muito importante vitória política para o Presidente, não só conseguindo ter sucesso onde muitos antecessores democratas tinham falhado (desde logo Bill Clinton), mas também ultrapassando todas as tentativas de bloqueio por parte dos republicanos (e de vários democratas). Acresce que Obama pode ter dado ao Partido Democrata 40 a 50 milhões de votantes.

A posição de muitos analistas acerca do trabalho de Barack Obama assemelha-se bastante à cena dos Monty Python. Eles parecem perguntar: para além de acabar com duas guerras, conseguir um acordo histórico com o Irão, forçar a destruição do arsenal de armas químicas da Síria, evitar uma grande depressão, pôr a economia a crescer, regular os mercados financeiros, aprovar o programa de cuidados de saúde, tudo isto, num contexto de grande polarização e de um “Governo ideologicamente dividido”, o que é que Obama fez por nós?

Universidade Nova de Lisboa e IPRI-UNL
 
 

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