Viana do Castelo: consenso de um desacordo geral

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Os trabalhadores declararam guerra ao encerramento e ao despedimento colectivo nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), a oposição quer uma comissão de inquérito, a eurodeputada Ana Gomes é autora de uma queixa-crime na Procuradoria-Geral da República por causa da subconcessão, o ex-Presidente da República Mário Soares está solidário com a luta dos trabalhadores, o presidente da holding do Estado para as empresas de defesa diz que a subconcessão foi “o negócio possível”, o Governo diz que escolheu “o cenário menos mau”. Tudo isto se passa à volta de um negócio que dá à Martifer a subconcessão dos estaleiros até 31 de Março de 2031.

O desacordo geral é o único consenso visível sobre o processo de encerramento e subconcessão do único estaleiro de construção de navios oceânicos do país e que chegou a ser distinguido, em 2004, com um óscar da construção naval europeia. Aliás, foi também o ano em que recebeu um dos seus grandes maus negócios e que veio a ser, por isso, de má memória. Nessa altura, o Governo decidiu de um dia para o outro, contra todas as previsões e negociações então feitas, que seriam os ENVC e não a Lisnave a entrar no negócio das contrapartidas dos submarinos alemães. Entre encomendas de navios e transferência de equipamentos (uma nave coberta de um estaleiro alemão falido) previstos no pacote das contrapartidas, os estaleiros saíram a perder: quase 40% do montante prometido de negócios ficou por realizar e teve, para além disso, de desembolsar 15 a 20 milhões de euros para instalar a nave. A este mau negócio juntaram-se outros: como a construção do Atlântida, o ferry que o Governo dos Açores encomendou e que depois recusou por não atingir a velocidade pretendida, e como os outros navios cuja construção cumpriu os requisitos mas que saíram atrasados para o mar e ou mais caros do que o previsto, com prejuízo para o estaleiro.

A história que mais perdura nos ENVC desde há mais de 20 anos é a história de uma empresa consecutivamente a perder dinheiro. Os últimos anos lucrativos ganhou-os na década de 1980 e não foi por falta de pedir uma solução para a crise que os estaleiros chegaram onde se encontram hoje. Ao longo dos vários relatórios e contas anuais, leitura de que o PÚBLICO deu conta já em 2011, a empresa retrata um Estado que reincide em promessas que não cumpre – com a empresa a apelar para que as cumpra –, falhando intervenções decisivas que eram da sua responsabilidade, como accionista único. Na história fica, por exemplo, uma resolução do Conselho de Ministros de 1998 que prometia a reestruturação dos estaleiros mas que não foi executada. É nessa altura que se fundamenta também a grande esperança de que os navios militares seriam o futuro dos ENVC.

Anos mais tarde, em 2005, a tutela passou da Economia para a Defesa, pelo que a figura accionista deixou de ser o Tesouro e passou a ser a Empordef. Com a integração na Empordef, o estaleiro sai de situação de falência técnica, mas a mudança, já no último ano do Governo de PSD/CDS de Santana Lopes, não teve mais consequências visíveis. O primeiro grande anúncio de privatização surgiu no ano seguinte, já com o Governo socialista de José Sócrates. A medida não chegou a arrancar, mas era compensada com a nova expectativa de grandes negócios com o Governo de Hugo Chávez.

A necessidade de reestruturação da empresa e o cenário de despedimentos começaram a ser mais insistentes desde 2011, com a entrada em funções do actual Governo de Passos Coelho. Ainda assim, é uma história de avanços e recuos: prometeu uma reestruturação logo que tomou posse, mas suspendeu a decisão por alguns meses. Avançou, em 2012, para a privatização –  à qual concorreram os russos da River Sea International e os brasileiros da Rio Nave – , mas desistiu dela quando a Comissão Europeia notificou as autoridades portuguesas por causa de ajudas de Estado concedidas aos estaleiros.

Optou entretanto, no ano seguinte, pela subconcessão, a qual foi ganha pela Martifer. O grupo português tinha sido o primeiro a demonstrar interesse no negócio: em Agosto de 2011, em conjunto com a Douro Azul, tinha apresentado ao Governo uma proposta para assumir a concessão dos ENVC. Na altura, propunha assumir a carteira de encomendas e a totalidade dos trabalhadores, deixando para o Estado o passivo e o activo da empresa. Através da West Sea, a suboncessão que a Martifer já assumiu prevê o despedimento dos 609 trabalhadores dos ENVC e a criação de 400 postos de trabalho no prazo de três anos, mas faz depender esta meta da carteira de encomendas que vier a ter.

 
 
 
 

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