Editorial: 388 milhões de euros, uma Constituição

Mais do que o chumbo, foi a forma do chumbo que representou uma derrota inapelável para o Governo.

Quando o Tribunal Constitucional (TC) aprovou, por uma diferença mínima, a lei das 40 horas de trabalho na função pública, a esquerda por momentos esqueceu-se das juras mil vezes repetidas ao tribunal como baluarte último da democracia e declarou sem demoras que lá por uns quantos juízes os terem contrariado iam continuar a combater o diploma do Governo.

No território político, a Constituição, já se vê, é como os árbitros, tem as costas largas. Mas ao deixar passar a lei das 40 horas, contrariando as pressões da esquerda (que também existem, embora sob a forma de “fogo amigo”), o TC provou, se necessário fosse, a independência das suas decisões face aos actores políticos. E a independência é indispensável à legitimidade de um Tribunal Constitucional, por mais discutidas que as suas decisões possam (e devam) ser.

A força política que ganhou na batalha anterior deste contínuo quiproquó que vem mantendo com o Governo, o TC aplicou-a de forma brutal no acórdão em que chumbou o regime de convergência das pensões da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações.

Isso porque mais importante do que o chumbo, previsível e antecipado por todos, a começar pelo Governo, foi a forma do chumbo: por unanimidade, por violar o princípio da protecção de confiança. E de uma forma que dá muito pouca margem de manobra ao Governo.

O presidente do tribunal, Sousa Ribeiro, considerou-a “uma medida avulsa”. E rejeitou que estivéssemos perante “uma reforma estrutural abrangente”, sugerindo, indirectamente, que os juízes olhariam de outro modo para uma reforma, mas não para um expediente orçamental disfarçado de reforma.

O TC respondeu reafirmando a sua soberania e independência à cascata de pressões que o vinham atingindo há meses. O Governo voltou à estaca zero e perdeu, pelo caminho, o secretário de Estado Hélder Rosalino. Mas ainda não compreendeu que o problema não é a Constituição.
 
 
 

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