O futuro da RTP é incerto, mas sempre digital

RTP dedicou o dia de quarta-feira à discussão sobre o que deve ser a sua missão de serviço público. Mantém-se o cenário de muitas perguntas e poucas respostas.

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Nuno Morais Sarmento, Pedro Lomba e Arons de Carvalho alertaram que os operadores privados estão mais influenciados pelo poder económico do que a RTP pelo poder político Miguel Manso

Estar em todo o lado, para todos e a toda a hora. Esta é a orientação para o futuro do serviço público de rádio e televisão que a RTP deve prosseguir, aconselharam quarta-feira os especialistas da britânica BBC e da União Europeia de Radiodifusão que a estação pública trouxe a Lisboa para a conferência do Dia do Serviço Público. E não é já isto que a RTP faz ao ter oito canais de televisão, outros tantos de rádio, e um site? Sim e não, ouviu-se também de várias vozes portuguesas da conferência “Serviço público de media em Portugal: um novo paradigma”.

O primeiro passo parece estar dado: a própria empresa passou a assumir o conceito media em vez de se restringir a falar de serviço público de rádio e televisão. Porém, a discussão sobre o que deve ser o serviço público tem sido matéria amplamente discutida, mas é possível que não tenha sido orientada no sentido correcto, defendeu o consultor da BBC Tim Suter, que apontou o caminho para o novo paradigma para o serviço público de media, com diversas componentes.

É preciso repensar o papel, a razão de ser e as competências do serviço público (incluindo as audiências a que quer chegar). Será preciso lançar novos serviços e isso custará dinheiro, avisa Suter, que prefere pensar que valerá a pena o esforço. A segunda área a mexer é o governo das empresas de serviço público de media, “elevando a independência – uma batalha que nunca está terminada – e fazendo a distinção entre a parte editorial e a da gestão”. E a terceira é a do financiamento, que deve ser estável (do ponto de vista do valor), flexível (com regras que permitam à empresa orientá-lo para seguir as necessidades das audiências), confiável (deve privilegiar a qualidade dos conteúdos e a diferenciação) e moderno (para liderar ou antecipar as mudanças na tecnologia).

O primeiro passo é o serviço público “reconhecer que é preciso mudar” – e no caso da RTP têm-se sucedido episódios de resistência a esta mudança. Tim Suter avisa que se a empresa não estiver interessada em mudar, “os governos vão mudá-los a partir de fora” – e é isso que, em grande parte, tem acontecido com a RTP.

A questão da diferenciação apontada por Tim Suter foi agarrada pelo presidente Alberto da Ponte para defender que a RTP tem que ser um “operador de excelência e indispensável para os vários públicos”, tem que “estar mais próximo dos cidadãos que qualquer outro”, e “fazer a diferença” seguindo a vanguarda da tecnologia e sendo o “guardião da portugalidade”.

Dentro do país a RTP tem que ser o garante de “coesão e integração nacional, dirigindo-se a todos, sem excepção” – por isso tem que oferecer serviços temáticos diversificados gratuitamente na TDT que é o meio de acesso exclusivo de 30% da população, defendeu Alberto da Ponte. A RTP tem também de fazer a diferença “transformando-se e redimensionando-se”, realçou o gestor, lembrando que a empresa terá que viver maioritariamente com o dinheiro dos cidadãos. A reestruturação em curso terá, por isso, que continuar: “O reajustamento da RTP é necessário e tem que ir para a frente”, vincou, lembrando que se a empresa tem pouco mais de 200 milhões de euros de receitas, os seus custos terão que ser iguais ou, idealmente, inferiores para poder investir em inovação.

“Temos que aspirar a ser simplesmente o melhor. Se não o fizermos, então teremos perdido a guerra. Temos que colocar a fasquia alta, e é isso que a administração pede a todos”, defendeu Alberto da Ponte. Que disse preocupar-se com as audiências porque “quem não é relevante, morre”.

Quem abordou a “portugalidade” tão cara a Alberto da Ponte foi depois o secretário de Estado adjunto do ministro da tutela. Pedro Lomba defendeu a necessidade de uma reestruturação profunda dos canais internacionais, que está a ser pensada e definida pelo grupo de trabalho que funciona junto do ministro. A presença internacional da RTP não passa só pela TV e pela rádio, mas também muito pela internet porque o digital é a chave para a discussão do futuro do serviço público. Para isso, Pedro Lomba antevê um portal lusófono que junte conteúdos que podem ser adaptados em função da região a que se destinam. “Outra dimensão importante passaria por complementar a produção de conteúdos num sector de vendas, de concepção e distribuição de produtos nacionais, e filmes, não só da RTP”, acrescentou, realçando a perspectiva da exportação de conteúdos. “o digital oferece um infindável contexto de oportunidades.” Porém, o governante admite que o financiamento para tudo isto não está ainda definido.

A tutela está a ultimar a proposta de contrato de concessão e deverá também tornar públicos os estatutos da estação pública dentro de duas semanas, disse no final da conferência o ministro Miguel Poiares Maduro, repetindo todo o sentido do discurso que fizera pela manhã, no Porto. Lembrou que só falta o último dos três pilares – financiamento, orientação estratégica e modelo de governo -, com a definição do quadro de competências do conselho independente para evitar manter a RTP sob suspeitas de governamentalização e interferência política do Governo.

Arons de Carvalho, vice-presidente da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, considera “injusto dizer-se que a RTP está sob a influência do poder político”, mas admite que isso já aconteceu no passado. “De cada vez que mudava o Governo, mudava-se a administração e os directores em cadeia. Isso hoje já não é assim”. O antigo secretário de Estado da Comunicação Social defendeu que se deveria questionar também “onde está a independência dos operadores privados face ao poder económico” e até dos que “não respeitam as regras da concorrência, se situam em obscuros offshores e não revelam aos reguladores os seus proprietários”.

Uma preocupação partilhada pelo ex-ministro Nuno Morais Sarmento, que dá mais importância à “permeabilidade do interesse económico do que à politização” da RTP. Mentor da reestruturação de 2003, que implicou a redução da dívida e o financiamento fixo, Morais Sarmento foi muito crítico sobre o “limbo” em que o actual Governo manteve a RTP dois anos e defendeu a necessidade de um operador de serviço público com “alternativa clara” aos privados, um “gigantesco agregador e distribuidor de conteúdos multiplataformas”.

Antes, o presidente do Conselho de Opinião tinha defendido um alargamento das competências deste órgão para poder avaliar o desempenho dos directores no final de cada mandato, o que provocou alguma discussão na audiência. “A trave mestra do serviço público é a independência. As pessoas que prestam serviço público têm que ser escrutinadas”, argumentou Manuel Coelho da Silva. “Se a sociedade civil é plural, se é ela quem paga o serviço público, porque razão não há-de avaliar o desempenho dos directores?”, questionou. A RTP está sujeita ao escrutínio do provedor, da ERC, do Conselho de Opinião, da Assembleia da República e estará também do futuro conselho geral independente.
 

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