A greve trocou os planos a Maria e o taxista zangado sempre fez “mais algum”

Reportagem sobre os efeitos da greve em Lisboa.

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A greve geral quase parou os transportes em Lisboa Rui Gaudêncio

Trânsito caótico, poucos autocarros e comboios parados voltaram a agitar a manhã lisboeta. É sempre assim numa greve geral.

Maria A. espera pelo 747 da Carris. Disseram-lhe que o autocarro que liga a Pontinha ao Campo Grande estava a circular. Chegou à paragem na Av. das Nações Unidas, em Telheiras, frente ao hipermercado Continente, às 6h45. Um vizinho deu-lhe boleia da Amadora até ali. São 7h05 e nada. Nesta quinta-feira, ao contrário do que desejava, não vai trabalhar. A greve geral trocou-lhe os planos.

Maria “trabalha a dias”, é empregada doméstica em casas particulares, como a própria revela. É o seu dia-a-dia há mais de 20 anos, desde que trocou a ilha cabo-verdiana do Sal por Lisboa. Já telefonou à “patroa” a avisar que não consegue chegar à casa na zona da Baixa lisboeta. Afinal não há autocarro de Telheiras ao Campo Grande e não sabe se ali há alguma ligação até ao centro cidade.

Esta trabalhadora diz compreender a greve. Afinal, sente “os dias difíceis”. “Perdi o passe dos filhos e está tudo mais caro. Ao pé de mim há cada vez mais gente sem emprego e com crianças a quem dar de comer. As pessoas não estão a saber como fazer a vida.”

Só não faz greve, diz, porque não pode. “Preciso do dinheiro e a patroa não merece. Afinal vou fazer greve. Não consigo chegar ao trabalho. Agora tenho de ver como chego a casa.”

Se Maria tivesse conseguido chegar ao Campo Grande, ao pé do estádio do Sporting, talvez tivesse chegado ao seu destino. O 736 da Carris com destino ao Cais do Sodré está a operar.

Os poucos autocarros vão cheios
As pessoas na paragem são às dezenas. Muitas chegam ali transportadas por autocarros de operadores privados. Vêm muito autocarros, mas o movimento está longe dos dias normais, dos dias sem greve, até porque o Metro está de portas fechadas.

Assim que o 736 chega à paragem, as pessoas entram para o autocarro a grande velocidade. Em menos de nada fica cheio que nem um ovo. Muitas dezenas vão continuar à espera de nova carreira. Já são 8h10. Muitos trabalhadores vão chegar atrasados aos empregos

No Campo Grande não faltam táxis. Afinal está é uma hipótese para quem pode pagar para ir trabalhar. Júlio Coimbra é o chamado "taxista falador". É também um taxista zangado. Zangado com os governos, “todos, que só enterram isto”, com os políticos que “têm muita palheta, mas não fazem nada”, com os buracos nas ruas, com o trânsito caótico desta manhã de quinta-feira e com os polícias que estão sob o viaduto do Campo Grande, aproveitando a sombra desta manhã quente de Verão.

Diga-se em abono da verdade que em relação aos polícias tem alguma razão. Eles estão ali, à sombra, a ver passar os carros, quando meia de dúzia de metros à frente, no cruzamento, a confusão é total, porque poucos respeitam as “ordens” dos semáforos. Bastava um daqueles agentes dispor-se a ordenar o trânsito para evitar o caos que ali se vivia. “Estes [os polícias] estão sempre em greve, menos na caça à multa”, diz o taxista zangado.

Júlio Coimbra diz que as greves “já não são o que eram”. Para o negócio dos taxistas, entenda-se. “Dantes a malta não parava. Agora sente-se pouco a diferença. A malta não tem dinheiro para o passe, quanto mais para o táxi. Mas sempre dá para fazer mais algum”, confessa.

Comboios parados
Cerca de uma hora e 15 euros depois Júlio Coimbra consegue chegar ao Rossio. Aqui o ambiente é mais tranquilo. Autocarros vêem-se poucos e na estação do Rossio só circulam turistas. “Aqui ainda não andou um comboio esta manhã”, diz ao PÚBLICO um elemento da segurança da bela estação ferroviária alfacinha.

Entre o Rossio e o Cais do Sodré quase não se avistam autocarros ou eléctricos, mas a presença de pessoas nas paragens é sinal de que alguns estão a circular.

Nas pontos de embarque da Carris no Cais do Sodré há dezenas de pessoas à espera de transporte. Mas não chegaram ali de comboio - na estação da CP, tal como no Rossio não houve circulação.

Mais uma vez foi no sector dos transportes que os efeitos desta primeira greve geral realizada num dia de Verão desde o 25 de Abril mais se fizeram sentir. Especialmente nas grandes cidades.
 
 

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