Viver entroikado – “ó Portugal, se fosses só três sílabas”

Domingo 12 Maio de 2013. Andavam os portugueses pelas praias gozando um dos melhores dias de Sol do ano (que ainda não pagam), quando, ao início da tarde, ficaram a saber que o primeiro-ministro tinha convocado mais um Conselho de Ministros extraordinário para as 15h.

As razões para a reunião de urgência eram claras. Tinha terminado o prazo para entregar à troika as medidas (cortes) definitivas para que fosse aprovada a sétima avaliação dos credores e fazer entrar nos cofres do Estado mais dois mil milhões de euros.

Pouco tempos depois de a coisa se iniciar já os órgãos de comunicação social davam notícias de desavenças. Ou seja, que mais uma vez os parceiros da coligação estavam pegados. Não se entendiam. Que mais uma vez havia discórdia, ameaças de ruptura, braços de ferro, mosquitos por cordas e tudo o que se lhe quiser chamar.

A razão para o novo conflito: taxa de sustentabilidade sobre as pensões. Aquilo que o CDS chama TSU (Taxa Social Única) dos pensionistas. Trocado por miúdos, dar mais uma porrada em quase todos os reformados do país. Aquela coisa que era a fronteira que Paulo Portas não podia deixar passar, e que o primeiro-ministro sabia que ele (Portas) não podia mesmo deixar meter no pacote para a troika. O tal do “cisma grisalho”.

Ainda a rapaziada governativa discutia no conclave e novas notícias surgiam: Passos mandava reunir a comissão permanente e podia ir a Belém nessa tarde de domingo soalheiro reunir com o Presidente da República. Várias fontes iam dando conta aos jornalistas de que as coisas estavam pior que nunca. O fantasma de um divórcio definitivo no Governo ganhava corpo, com as consequências que isso acarretava, nomeadamente a queda do Governo.

Por volta das 18h terminava a reunião ministerial. Primeira notícia a sair da coisa: “O CDS tinha recuado” e a tal taxa que era a fronteira que Portas não podia ultrapassar ia mesmo no pacote de garantias a entregar aos credores. Quem o assegurava a diversos órgãos de comunicação social era fonte do Governo da ala social-democrata.

Ou seja, o PSD (fonte do Governo, como foi noticiado) anunciava o recuo do CDS naquilo que Portas tinha dito que nunca recuaria. É o que nas touradas se chama espetar no animal um par de bandarilhas com grande mestria.

Claro que, logo a seguir, o CDS veio esclarecer que não havia recuo algum. Que a taxa estava no pacote, mas não era para aplicar. Que havia um compromisso geral no Governo para que a dita taxa do demo fosse substituída por outras medidas.

“Não, não e não”, a taxa nunca seria aplicada, jurava o CDS logo no domingo e, depois, na segunda-feira pela voz de vários dirigentes do CDS visivelmente irritados. Quem recuou foi a troika, que queria mais esta maldade para os velhinhos e o CDS impediu, juravam os centristas. Não faltaram ameaças de ruptura na coligação e o ministro Mota Soares nem se coibiu de meter ao barulho o nome do Presidente da República, dando-o como uma espécie de garantia para o não avanço da TSU dos pensionistas.

E o que é que disseram Vítor Gaspar e Passos Coelho ao “não, não e não” do CDS?

Gaspar: "A contribuição de sustentabilidade sobre as pensões apenas será tomada em caso de absoluta necessidade.”

Passos: "Se a pudermos não aplicar – o que depende de termos medidas alternativas que possamos apresentar com a mesma qualidade e o mesmo efeito orçamental – é isso que procuraremos fazer."

Passos e Gaspar diziam “talvez” ao “não” definitivo do CDS. E como as previsões do Executivo falham tanto como os tiros do caçador cego que vai aos pombos, está-se mesmo a ver o destino do “talvez”.

Lá vai o CDS ter de meter mais uma viola no saco com ar indignado e gozado pelo parceiro de coligação, obrigando os jornais a fazer novo apanhado dos recuos do CDS.

Depois destes jogos florais, muitas coisas importantes aconteceram no país.

O secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino, disse de forma clara que ia haver despedimentos na função pública. Algumas horas depois o Executivo emite um comunicado a dizer que aquilo que o governante tinha dito de forma clara, não era bem aquilo que ele queria dizer.

O Presidente da República convoca o Conselho de Estado para segunda-feira que já tinha anunciado pelo conselheiro Marques Mendes há mais de uma semana. Mesmo assim, alguns conselheiros queixam-se de apenas terem sido informados pela Internet.

De caminho, o Chefe de Estado manda calar PSD e CDS (“devem evitar-se exposições públicas de divergências”).

Cavaco Silva revela ainda que a sua mulher e ele acreditam que, pelo facto da sétima avaliação da troika ter sido aprovada a 13 de Maio, teve a inspiração divina de Nossa Senhora de Fátima. Depois, o Presidente da laica República portuguesa evoca São Jorge para que haja “abundância e felicidade” no rectângulo luso, enquanto respira “boas notícias” no Minho, para limpar os pulmões das más notícias que grassam pelas grandes cidades.

Um deputado da Nação, Ribeiro e Castro (CDS), fez uma macumba em directo num canal de televisão para anular a chamada maldição de Béla Guttmann ao Benfica.

Entretanto, o Produto Interno Bruto recuou 3,9% no primeiro trimestre e os pobres e os desempregados são cada vez mais.

Só me vem à cabeça Alexandre O’Neill: “ó Portugal, se fosses só três sílabas/ de plástico, que era mais barato!”

Sugerir correcção
Comentar