O australopiteco que tinha uma estranha forma de andar

O exame pormenorizado de esqueletos fossilizados de uma espécie recentemente descoberta de australopiteco permitiu concluir que esse nosso longínquo antepassado caminhava de uma maneira bastante peculiar.

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Da esquerda para a direita: esqueletos de homem moderno, de Australophitecus sediba e de chimpanzé Cortesia de Lee Berger e da Universidade de Witwatersrand

Australophitecus sediba viveu há cerca de dois milhões de anos, mas os seus fósseis só foram descobertos em 2008 – na localidade de Malapa, perto de Joanesburgo, África do Sul. Esta sexta-feira, seis artigos publicados na revista Science por 26 cientistas de 16 instituições descrevem meticulosamente a anatomia deste antepassado dos humanos modernos e revelam que o seu bipedismo era diferente do dos outros australopitecos conhecidos – incluindo a célebre Lucy, da espécie Australophitecus afarensis, com 3,2 milhões de anos.

Jeremy DeSilva e colegas, das universidades de Boston (EUA) e de Witwatersrand (África do Sul), estudaram as extremidades inferiores de dois esqueletos parcialmente conservados de Australophitecus sediba. E, como explica DeSilva em comunicado da universidade sul-africana, concluíram que, consideradas no seu conjunto, as anatomias do calcanhar, do pé, do joelho, da anca e das costas desses esqueletos são compatíveis com um hominídeo bípede "que apresentava uma hiperpronação” – vulgo, pé chato. O que fazia com que andasse com os pés muito virados para dentro.

“O nosso estudo mostra que existiram múltiplas formas de bipedismo entre os nossos antepassados mais antigos”, diz o co-autor Lee Berger. Hoje em dia, acrescenta DeSilva numa entrevista à Science, as pessoas com este tipo de marcha têm problemas nas articulações. Mas o Australophitecus sediba conseguia compensar os efeitos do pé chato com uma anatomia específica, nomeadamente um reforço da articulação do joelho.

Num outro artigo na mesma edição daquela revista, Peter Schmid, da Universidade de Zurique (Suíça), e colegas da Universidade de Witwatersrand focaram-se na anatomia do tórax de Australophitecus sediba, cuja forma é nitidamente cónica. E daí deduziram que esta espécie não deve ter conseguido andar ou correr tão bem ou tão longe como nós – em particular, porque a forma da caixa torácica “não lhes permitia abanar os longos braços para poupar energia”, diz Schmid em comunicado da sua universidade.

A anatomia dos seus longos braços, isso sim, fazia deste humano primitivo um hábil trepador, tal como os outros australopitecos. E talvez lhe permitissem ainda passar facilmente de uma árvore para outra usando apenas os braços.

O seu cérebro era pequeno, mas o Australophitecus sediba tinha dentes surpreendentemente parecidos com os dos humanos modernos. “Esta análise de um grande número de elementos associados, muitas vezes completos e não distorcidos”, resume Berger, “permite-nos vislumbrar uma espécie de hominídeo que, em termos anatómicos, parece ser um mosaico” de elementos arcaicos e modernos.

As conclusões podem obrigar a uma revisão da “arvore genealógica” dos nossos antepassados. “As numerosas semelhanças com o Homo erectus [um nosso antepassado directo] sugerem que o Australophitecus sediba possa representar, melhor do que qualquer outra espécie, a forma primitiva do género Homo”, diz Schmid.
 
 
 
 
 
 

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