Planos para dez mil anos

A apresentação do estudo do FMI com o menú para condenar o país à pobreza e à dependência é mais um episódio que mostra à evidência que este Governo tem de sair.

Perante a justa e generalizada indignação que o Orçamento do Estado para 2013 gerou, o Governo foge para a frente. Expõe o que quer fazer pela boca de outros – ainda por cima técnicos estrangeiros e sem tradução para garantir um mínimo de cosmopolitismo à coisa.

Espera que o povo se distraia de todas e cada uma das medidas do Orçamento de 2013 que vão entrando violentamente na vida quotidiana – novos escalões de IRS, cortes nos salários e nas pensões, aumentos de preços, degradação dos serviços públicos. Aplica a táctica clássica de apresentar a destruição máxima para conseguir destruir muito. Cumpre diligentemente o papel  de traição do interesse nacional que historicamente as classes dominantes tiveram no nosso país.

Os membros do Governo desdobram-se em declarações que só na aparência são contraditórias. Na realidade, todos admitem o óbvio: o tal estudo “muito bem feito” que Moedas e Coelho gabam sem pudor é uma lista de hipóteses de medidas, todas inaceitáveis e violentas, para continuar o saque aos recursos nacionais e o empobrecimento da generalidade dos portugueses.

Enquanto discutem quantos milhares de trabalhadores pretendem despedir, e nos querem obrigar a todos a discutir dentro desses mesmos pressupostos, o Governo decidiu injectar 1100 milhões de euros no Banif,  banco cuja cotação em bolsa é de 83 milhões de euros, num processo ainda mais escandaloso porque já todos vimos este filme a propósito do BPN – e todos sabemos como acaba.

A opção de entregar 1100 milhões de euros foi tomada na semana em que PSD, CDS e PS recusaram na Assembleia da República o aumento de 30 euros no salário mínimo nacional proposto pelo PCP. São opções, claro: os 1100 milhões de euros despejados no Banif permitiriam aumentar 30 euros nos salários de 2,6 milhões de trabalhadores e subir o salário mínimo nacional para 600 euros já este mês. E sobrava.

Bem pode Passos Coelho reafirmar insistentemente a legitimidade do seu Governo, como fez ainda este fim-de-semana nos Açores. Será legal, mas não é legítimo. Não tem sequer a base social que tinha há ano e meio. Mentiu. Rompeu o compromisso que estabeleceu com muitos dos seus votantes. Está a tornar num inferno a vida de milhões de portugueses e a transformar Portugal num país mais pobre, mais dependente, menos democrático e menos soberano.

É preciso pôr fim a esta política. É necessária e urgente uma outra política e um outro Governo, patrióticos e de esquerda.

No poema que empresta o título a este texto, Brecht fala dos períodos da história em que a injustiça avança a passos largos e em que os tiranos, protegidos pelos seus múltiplos poderes, fazem planos para continuar a explorar pelo menos mais dez mil anos. Mas diz Brecht, também no poema, que é nesses períodos que os oprimidos percebem que é de si próprios que depende a continuação da exploração. Depende de si dizer basta.

Assim é com o momento que vivemos: este Governo e esta política têm de ser travados, e quanto mais depressa melhor. Nada está perdido para sempre. Os governos – e este já mostrou que é particularmente frágil – abanam sempre que a luta dos trabalhadores e do povo cresce. Se essa luta crescer, o Governo será derrotado.

Margarida Botelho é membro da Comissão Política do Comité Central do PCP
 

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