Sindicalistas e artistas unidos no regresso dos protestos à Praça de Espanha

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A Praça de Espanha vai voltar a ser palco de uma manifestação Enric Vives-Rubio

Os protestos regressam este sábado a Lisboa. Começam ao início da tarde, com a “marcha contra o desemprego” promovida pela CGTP, e não têm hora para acabar. Quando a Intersindical der a marcha por encerrada, o movimento “Que se lixe a troika!” volta à Praça de Espanha para uma manifestação com dezenas de artistas na linha da frente. Vistas como “complementares”, as acções têm tempos informalmente concertados.

“Temos estado em contacto. Há uma preocupação em integrar a manifestação [na Praça de Espanha], tanto quanto possível, nesta jornada de luta”, diz ao PÚBLICO Joaquim Dionísio, da comissão executiva da CGTP. “A nossa intenção é começar uma quando acabar a outra”, acrescenta João Camargo, um dos subscritores do manifesto “Que se lixe a troika! Queremos as nossas Vidas”, organizadores das grandes manifestações de 15 de Setembro.

A “marcha contra o desemprego” desagua em duas colunas na capital, após ter percorrido o país ao longo de uma semana. Um dos grupos concentra-se na Alameda D. Afonso Henriques às 15h30 e segue caminho para a Praça da Figueira. O segundo grupo, que parte do Cais do Sodré, tem o mesmo destino. Uma vez juntos, os manifestantes seguem até à Assembleia da República, onde os espera o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, para o discurso de encerramento.

E depois? “Não sei se vamos fazer um apelo, porque será exigir de mais das pessoas que participaram na marcha – algumas desde o início. Mas a manifestação [na Praça de Espanha] está a ser referida e incentivamos os que estiverem em condições a participar”, explica Joaquim Dionísio. A Intersindical vê com bons olhos a participação no segundo momento de protesto que está marcado para este sábado em Lisboa.

“A luta contra a troika é comum, assim como a luta contra o desemprego. Há uma convergência total nos objectivos” das duas acções, entende João Camargo. Em declarações ao PÚBLICO, o activista devolve o cumprimento da CGTP e apela à participação na marcha. Na Praça de Espanha, a “manifestação cultural” arranca às 17h e, dada a quantidade de artistas envolvidos, de todas as áreas, é difícil estimar a hora a que acabará.

O fim do “silêncio quase mórbido”
A lista de nomes é extensa: Camané, Dead Combo, Deolinda, Manuel João Vieira, Brigada Victor Jara, Chullage, Peste e Sida, Vitorino – e continua, no cartaz com mais músicos e bandas, e fora dele com artistas ligados ao cinema e ao teatro, à dança, à literatura e às artes plásticas. “Havia um silêncio quase mórbido do espectáculo, um consentimento. Estava na hora de a canção, o teatro, a poesia, o circo dizerem alguma coisa”, afirma Carlos Mendes.

O cantor e compositor foi um dos primeiros a lançar o apelo à mobilização dos artistas, “dois ou três dias após o 15 de Setembro”, quando aquela mesma praça de Lisboa se encheu de manifestantes. Centenas de milhares de pessoas saíram à rua nesse dia. Um mês depois, o protesto tem os mesmos alvos – a austeridade e a troika –, mas desta vez com caras muito conhecidas de toda a gente, da televisão aos palcos.

A Naifa vai lá estar porque “se sente violada nos seus direitos, como todos os portugueses”. “Apesar de não sermos políticos, temos de nos manifestar, na rua, com a música”, afirma o guitarrista Luís Varatojo. “A Cultura é um veículo perfeito para transmitir a mensagem no sentido certo. A Cultura é um espaço cheio de verdade, onde se podem exaltar os valores mais profundos. E isso é urgente”, complementa Ana Maria Pinto.

A cantora lírica é a mesma que entoou Firmeza durante as comemorações do 5 de Outubro, no Pátio da Galé, e reuniu o coro que cantou Acordai!, a 21 de Setembro, em frente ao Palácio de Belém, onde estava reunido o Conselho de Estado, e de novo no Porto, no dia 29. No sábado, voltará a fazê-lo. É a canção heróica de Fernando Lopes-Graça que vai fechar a manifestação, depois de o poema de José Gomes Ferreira que lhe serve de letra ser lido em grego, castelhano, francês, inglês e alemão.

“O que importa aqui não é o fulano”
“A Cultura tem de se aliar à resistência. Temos essa obrigação.” É Carlos Mendes quem fala, para dizer ainda que “esta é uma manifestação do povo, é um grito de alerta”. O músico defende que o protesto não é dos artistas, “é das pessoas”. “Um grande happening cultural em que o público também está em acção. Não é por este ou por aquele que isto acontece. Há muitos artistas que não vão porque não podem. O que importa aqui não é o fulano, mas a grande e pouco definida mancha de pessoas.”

A indefinição também vale para as intervenções artísticas na Praça de Espanha. “Haverá certamente coisas a acontecer que não estão planeadas, espontâneas”, diz João Camargo. Leituras e performances de teatro, dança e circo no meio da multidão são algumas das intervenções agendadas para fora do palco. No meio da praça, estará uma tela onde serão projectadas imagens das manifestações anteriores e uma montagem com a história do cinema português. Num espaço propositadamente reservado, a pedido dos próprios, estarão os (d)Eficientes Indignados.

“Não sei o que vai acontecer no sábado, mas já estou muito satisfeito com a organização. Em apenas duas semanas conseguiram-se palcos, sistemas de som, geradores, tudo com a ajuda de empresas, técnicos, músicos. Há uma grande união, um espírito de união em torno de uma ideia”, sublinha Luís Varatojo. “Esta manifestação está a unir as pessoas”, concorda Ana Maria Pinto. “Uma manifestação como esta só pode ser bonita.”

A organização promete na convocatória, onde se defende que a Cultura "é imprescindível para a consciência de um povo", um "marco histórico e cultural" inserido no Global Noise, protesto internacional convocado em 36 países. Apesar de a adesão em Portugal vir a ser provavelmente mais significativa em Lisboa, a "manifestação cultural" não se limita à capital: há protestos confirmados em mais 21 cidades, de Norte a Sul. No Porto, o protesto terá lugar na Praça D. João I e os nomes confirmados para o palco incluem Clã, Manel Cruz, Nuno Prata (ambos Ornatos Violeta), Jacinta ou Capicua.

Mas as manifestações não se ficam por aqui. Em Lisboa, está a ser convocada uma concentração para segunda-feira, dia em que o Governo apresentará no Parlamento o Orçamento do Estado para 2013: no Facebook, cerca de 3 mil pessoas dizem que vão participar num "cerco" a São Bento.

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