Gestor de activos diz que risco de intervenção externa em Portugal “é elevado”

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João Pedro Pintassilgo Joana Bourgard
Quais as expectativa relativamente aos juros da dívida portuguesa, depois de ser conhecida a ajuda externa à Irlanda?

Temo que continuem a subir.

Partilha da opinião dos economistas que defendem que Portugal será o seguinte a ser intervencionado?

O risco é elevado, apesar de a situação nacional ser diferente quer do caso Irlandês quer grego. Temos um problema de refinanciamento sério no sistema financeiro, e não de solvabilidade, com os bancos a recorrerem ao BCE num montante que ascendia a 40 mil milhões de euros no final de Setembro, o que corresponde a 7,2 por cento dos activos do sistema e a 23 por cento do PIB português expectável em 2010.

Qual é a expectativa de evolução dos juros da dívida soberana até à próxima Primavera, quando estão previstas as grandes operações de refinanciamento do Estado português?

Previsões a essa distância são pura futurologia.

Como interpreta o que está a acontecer à dívida pública nacional?

O que se constatou foi que tivemos um período relativamente crítico em termos da cotação da nossa dívida pública. O que aconteceu foi que, a partir do segundo trimestre do ano, se registou uma queda significativa da cotação dos títulos da dívida pública portuguesa, com correspondente subida das taxas de juro de remuneração implícitas [de quem compra], o que significou que investidores que detinham dívida pública nas suas carteiras não quiseram continuar a acomodar esse risco e reduziram posições, o que se registou quase em simultâneo com a venda das acções. E porquê? Porque percepcionaram um aumento do risco de não cumprimento das metas definidas para o défice orçamental.

Há alguma coisa que possa ser feita de momento internamente para ajudar a aliviar a situação?

Todas as medidas de racionalização da despesa corrente do Estado, com eliminação de desperdícios, luxos, redundâncias e de investimentos não criadores de riqueza, ou seja, com défices esperados de exploração na sua vida útil. Por outro lado, é decisiva uma boa execução das medidas orçamentais anunciadas, quer por via das receitas quer por vias das despesas.

Está confiante na execução do Orçamento do Estado?

Acho que é possível, com mais ou menos medidas extraordinárias.

Conseguido o acordo no Orçamento para 2011, vai haver novo PEC?

É cedo para falar…

Acha mesmo inevitável que acabemos a receber ajuda externa?

Não é inevitável, mas claramente o país terá que recuperar a confiança junto dos credores internacionais que vêm financiando a economia portuguesa, ao nível das empresas financeiras (principalmente bancos), não financeiras e do Estado. A melhor forma de tranquilizar os investidores é reduzir o défice da balança de transacções correntes, o défice orçamental e a despesa pública, permitindo assim uma percepção de que o nosso risco de incumprimento se reduziu. Se isso não acontecer, a alternativa ao financiamento externo na comunidade de investidores é chamar o mutuante de último recurso, o FMI, que nos garantirá recursos financeiros no curto prazo e se encarregará de nos disciplinar financeiramente, com reequilíbrio das contas do Estado e do défice da BTC. Poderá impor-nos uma deflação na economia e uma flexibilização das leis laborais.

Curiosamente agora fala-se que Portugal será intervencionado se Espanha for. Até há uns dias dizia-se que Portugal ia ser intervencionado, mas Espanha não necessitava. O que é mudou?

Há claramente um risco de contágio, tipo dominó, em que, as primeiras peças a serem atacadas pelos investidores são os países mais pequenos e debilitados nas suas contas internas e externas. Depois de Espanha, quem garante que o próximo ataque não seja a Itália? Estamos a viver um tempo de exame seríssimo à capacidade de sobrevivência da moeda única e do próprio projecto europeu.

Olhando para trás, o que explica a evolução da bolsa portuguesa?

Existem dois momentos de queda das acções significativos. No início do ano, em meados de Abril, no pico da crise grega, Portugal surge logo como um país com descontrolo nas contas públicas. E o mercado caiu mais de 20 por cento. Dá-se a grande fuga de activos nacionais, o que traduz que os investidores reduziram o risco da exposição a Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda. Em termos de financiamento, quem está mais sujeito à divida externa são o Estado e a banca. Quando a relação entre crédito e depósitos é de 150 por cento, significa que dois terços do endividamento resultam das poupanças internas e um terço de crédito externo.

É dos que partilha a opinião de que os mercados [agências de rating, investidores institucionais] agem deliberadamente para forçar a vinda do FMI para Portugal?

Não vejo movimentos conspirativos e concertados entre agência de rating e especuladores para derrubar Portugal. Acredito em decisões de investimentos com racionalidade e investidores com convicções distintas. E factos. E estes levam-nos a dizer que, no presente cenário de contínua perda de valor das emissões de dívida portuguesa em mercado secundário, ou, o que é o mesmo, de taxas de juro (yields) crescentes, a leitura obvia é que, para cada nível de preço, há uma maior número de investidores a querem sair do risco Portugal (vendendo dívida nacional) do que aqueles que estão disponíveis para o assumir (comprando-a). Para quem vende, a convicção e racional da decisão é que essas emissões vão ficar ainda mais baratas (com menos valor), porque acreditam que o País, por si só, não terá capacidade para executar com sucesso, em tempo útil, os planos de redução de endividamento a que se propôs. Quem compra, considera que o risco de incumprimento implícito no preço de compra é excessivamente alto, pelo que se considera satisfeito com a remuneração implícita no desconto face ao valor nominal a que adquire as emissões de dívida portuguesa.

Que vantagens teria esta situação para os mercados?

Os mercados de dívida e de acções são o resultado de um escrutínio muito amplo de decisões de investimento de variadíssimos investidores à escala global, e as cotações são a cada momento o preço de equilíbrio desse escrutínio monetário. Quem está na posse de activos nacionais ganha se estes valorizarem no horizonte temporal definido pelo investidor, e perdem se estes desvalorizarem. A entrada do FMI, a priori, garante maior probabilidade de cumprimento das responsabilidades perante os credores, mas a incerteza permanece desde logo sobre o custo, duração e eficácia do ajustamento a que economia vai estar sujeita.

Qual o impacto das medidas de austeridade portuguesas no futuro?

As medidas de austeridade estão a pressionar em baixa o consumo e o investimento quer público quer privado. E por isso é importante que Portugal consiga exportar (excepto os talentos), quer para mercados da UE, quer para fora, nomeadamente para países lusófonos. Mas as exportações estão dependentes da procura externa e esta do crescimento económico desses países destino. Há que apostar no alargamento da base geográfica do destino das exportações, uma vez que essa diversificação permitirá reduzir o risco de dependência de poucos mercados e das suas dinâmicas internas.

Acha mesmo que alguns bancos centrais mundiais, no quadro da guerra de divisas que se está a travar, têm interesse em arrastar os países periféricos do euro para uma crise financeira? E o euro, como moeda, pode resistir até que ponto a estas possíveis crises?

Parece que estamos metidos numa guerra mundial não declarada na vertente cambial. Não entrando em teorias da conspiração, diria que o ataque à divida dos países periféricos da zona euro enfraquece a moeda única, apesar de tornar mais competitivos os países com forte capacidade exportadora em euros, nomeadamente a Alemanha. Mas a Alemanha e os outros chamados países “core” (maiores e mais ricos) da zona euro terão muito a perder com o falhanço da moeda única. Os elos mais fracos do euro puseram-se a jeito e os investidores também ganham com activos a desvalorizar. Penso que os mecanismos criados para salvar da insolvência os países em dificuldade serão suficientes para que eles se restabeleçam, e não ponham em causa o projecto da moeda única.

Perfil: João Pedro Pintassilgo

João Pedro Pintassilgo, 41 anos, começou a carreira na banca, em 1993, depois de uma licenciatura em Economia na Universidade Lusíada. Primeiro na CGD, como técnico comercial, depois no Banco Comercial de Macau, como gestor de conta de empresas. Passou depois para o BCP, onde acabou por se iniciar na análise de risco.

Actualmente casado e com dois filhos, tem uma pós-graduação em análise financeira pelo ISEG e é responsável pela gestão das carteiras de retalho na F & C Portugal, a sucursal do grupo britânico F&C Investments, criado no século XIX, há mais de 140 anos, e que hoje em dia gere 125 mil milhões de euros, segundo informação disponibilizada no seu site.

Presente em mais de 15 países, a F & C tem mais de três milhões de aforradores individuais, entre clientes segurados, investidores institucionais e particulares.

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