Should I stay or should I go”: quem ganha com a saída britânica da União Europeia?

No dia seguinte ao referendo, os que votaram a favor do “Brexit” com intuitos patrióticos, podem descobrir, na ressaca da vitória, que políticos que ambicionam o poder e gestores de hedge funds celebraram com champanhe francês veuve clicquot e vão prosperar à sua custa.

1. “Seria como Dunquerque, novamente”, quando os britânicos tiveram de retirar, em circunstâncias extremamente difíceis, milhares de soldados do Norte de França, em finais de Maio e inícios de Junho de 1940. Nesse episódio dramático, estavam cercados junto ao canal da Mancha, pelos exércitos da Alemanha nazi, após a sua fulgurante blitzkrieg. O autor desta surpreendente comparação foi Peter Hargreaves, o milionário britânico fundador do FTSE 100, o índice da bolsa de valores de Londres. Mas não vê qualquer problema na perspectiva de saída do Reino Unido da União Europeia, em circunstâncias similares à dramática retirada de Dunquerque. Pelo contrário, “vamos sair de lá e tornar-nos incrivelmente bem-sucedidos, porque vamos tornar-nos inseguros novamente. E a insegurança é fantástica.” (Ver “'Like Dunkirk': Brexit donor trumpets 'fantastic insecurity' of leaving EU” in Guardian, 12/05/2016, http://www.theguardian.com/politics/2016/may/12/billionaire-brexit-donor-leaving-eu-like-dunkirk). Mas as comparações históricas provocatórias de Peter Hargreaves não se ficam por aqui. A saída da União Europeia seria como o abandono de Singapura pela Malásia, em 1965, para se tornar um Estado soberano — e a segunda economia mais competitiva do mundo, a seguir à Suíça, no ranking do Fórum Económico Mundial.

2. As afirmações de Peter Hargreaves mostram as divisões dos meios financeiros quanto ao previsível impacto do referendo britânico. A maioria dos bancos de investimento que actuam em Londres — o maior mercado financeiro da Europa e um dos maiores do mundo —, estão receosos das consequências de uma saída. Temem que um abando da União Europeia leve a perdas significativas, desde logo pela deslocação dos clientes para os mercados financeiros concorrentes na União Europeia, principalmente para Paris ou Frankfurt, mas também, para outros fora, como Nova Iorque, Singapura ou Hong-Kong. Assim, grandes bancos de investimento internacionais, entre os quais o Goldman Sachs e o Citigroup, apoiam a permanência na União Europeia. Já quanto aos fundos de cobertura (hedge funds), a posição é substancialmente diferente. Antecipam vantagens significativas no “Brexit”, estando entre os principais doadores da campanha pela saída. Argumentam que, embora a adesão tivesse sido boa para o Reino Unido e a city londrina em 1973, agora já não faz sentido. A União Europeia falhou em apoiar a inovação e está amarrada a uma Zona Euro condenada ao fracasso. (Ver “Hedge fund managers Crispin Odey and Paul Marshall say Brexit would help London” 30/04/2016, in Reuters). Pretendem, também, convencer a opinião pública de que há vantagens generalizadas na saída para o cidadão comum e o país.

3. Provavelmente, para muitos britânicos, é um sentimento patriótico e de voltar a ter plena soberania sobre as áreas transferidas para as instituições europeias, que os move no voto anti-União Europeia. Esse sentimento acentua-se nas faixas da população que se vêm como perdedoras da integração europeia. A percepção tende a ser mais acentuada nas gerações mais velhas, onde, provavelmente, há também nostalgia de um passado de grandiosidade. Os sentimentos anti-União Europeia são bastante mais fortes na Inglaterra do que Escócia e no País de Gales.(Ver estudo do YouGov, “the Eurosceptic map of Britain”, 26/0272016). Por exemplo, as duas regiões mais pró-União Europeia estão em Ceredigion (País de Gales) e em Aberdeen (Escócia). Já Havering, na zona oriental da grande Londres (Inglaterra) e Peterborough (uma cidade de província no Leste de Inglaterra), são as áreas mais eurocépticas. Nestas últimas, encontra-se o tipo de eleitorado normalmente mais sensível aos argumentos do UKIP (UK Independence Party / Partido da Independência do Reino Unido) de Nigel Farage. Até um passado recente, era, em grande parte, um eleitorado natural do Partido Conservador. Boris Johnson, ao liderar a campanha pela saída da União Europeia, não o faz apenas por convicções eurocépticas. O referendo é muito útil para atacar a liderança do actual líder do Partido Conservador e Primeiro-Ministro, David Cameron, ao qual pretende suceder.

4. Se a luta política e de poder entre Boris Johnson e David Cameron já pouco tem a ver com o interesse patriótico e ressentimento do indivíduo comum contra a União Europeia, menos ainda o tem o interesse dos hedge funds. Estes fazem abertamente campanha pela saída. Estão entre os doadores que mais contribuíram para os cerca de 4 milhões de Libras já reunidos pelos partidários do “Brexit”. Importa notar que o valor é muito superior aos fundos obtidos pela campanha pela permanência na União Europeia. (Ver “Pro-Brexit campaigns beating Remain camp in fundraising” in Financial Times, 26/05/2016).  Não é o patriotismo, nem a defesa do estilo de vida britânico face às regulamentações intrusivas europeias, que move os gestores destes fundos de investimento de alto risco, mas a perspectiva de grandes ganhos com a especulação financeira. Para estes, a incerteza política e económica sobre o futuro da relação do Reino Unido e a União Europeia e a instabilidade nos mercados seria uma coisa óptima.  As oscilações do preço dos títulos de dívida dos Estados, das acções e obrigações das empresas, das cotações das divisas nos mercados cambiais, são uma grande oportunidade de negócio. Provavelmente, não têm nenhuma igual desde que a crise da Zona Euro acalmou. O seu ressentimento contra União Europeia é de outro tipo do que move o cidadão comum. Com a crise financeira e económica e iniciada em 2007 / 2008, perderam margem de manobra nos seus investimentos especulativos e são mais tributados fiscalmente, devido às novas regras europeias para esses fundos.

5. No referendo do próximo dia 23 de Junho os britânicos vão ter de responder à questão: “Should the United Kingdom remain a member of the European Union or leave the European Union?” / “Deve o Reino Unido continuar a ser membro da União Europeia ou sair da União Europeia?”. Para uma geração que cresceu nos anos 1980, tendo na memória as músicas da banda rock britânica The Clash, o dilema do voto lembra o dilema sentimental de "Should I Stay or Should I Go" (1982), do álbum “Combat Rock”. Numa estrofe da música escrita por Mick Jones pode ouvir-se/ ler-se o seguinte: “Should I stay or should I go now?/ If I go there will be trouble/ And if I stay it will be double/ So you gotta let me know/ Should I stay or should I go? (Devo ficar ou ir embora agora?/ Se eu for embora haverá problemas/ E se eu ficar serão a dobrar / Então deixa-me saber/ Devo ficar ou ir embora?). O dilema agora não é passional. No dia seguinte ao referendo, os que votaram a favor do “Brexit” com intuitos patrióticos, podem descobrir, na ressaca da vitória, que políticos que ambicionam o poder e gestores de hedge funds celebraram com champanhe francês veuve clicquot e vão prosperar à sua custa.

Investigador

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