Portugal quer um “soft Brexit” mas está preparado para tudo

O Governo quer garantir que a “negociação se faz a 27, evitando tentações bilaterais”, disse a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques.

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Margarida Marques, secretária de Estado dos Assuntos Europeus Nuno Ferreira Santos

Há uma preocupação imediata do Governo português perante o “Brexit”: o número muito elevado de portugueses no Reino Unido, que é hoje o principal destino da emigração nacional, quer das pessoas não qualificadas, quer das muito qualificadas. A história do Serviço Nacional de Saúde britânico é a mais visível, mas há hoje muitos jovens diplomados portugueses em busca de um trabalho com perspectiva de carreira que não encontram por cá. A ideia é mesmo mais ampla, conforme disse ao PÚBLICO a secretária de Estado dos Assuntos Europeu, Margarida Marques, resumida num lema comum aos 27, que Portugal valoriza muito: Cidadão primeiro”. A segunda preocupação do Governo, disse ainda, é garantir que a “negociação se faz a 27, evitando tentações bilaterais".

De resto, para um país que faz parte da face atlântica da Europa, a saída do Reino Unido nunca poderia ser uma boa notícia. Fazemos parte do grupo de países que podem ser mais afectados, do ponto de vista estratégico, com o abandono britânico. Os outros são a Dinamarca, Holanda e Irlanda, com um forte perfil euro-atlântico na sua inserção europeia e mundial. Portugal tem, além do mais, uma velha relação histórica com a Inglaterra (e nem é preciso falar do Tratado de Windsor, o mais velho do mundo), que sublinha ainda mais essa constante estratégica.

Essa relação foi, em boa medida, substituída pela particularidade da nossa relação com os Estados Unidos, que remonta à II Guerra e ao valor estratégico dos Açores, e que se traduz num acordo de Defesa, que persistiu para além da Guerra Fria.

A aceleração da integração depois da unificação alemã, selada no Tratado de Maastricht, virou a política europeia na direcção do eixo Paris-Berlim. Mas, para a diplomacia portuguesa, uma Europa amiga dos Estados Unidos nunca deixou de ser uma prioridade onde cabia necessariamente o Reino Unido.

 Acresce, ainda, que as Ilhas são o quarto destino das exportações portuguesas de bens e serviços com uma taxa de cobertura a nosso favor de cerca de 200%; o nosso principal cliente no turismo e um dos parceiros com que mantemos mais estreitas relações no domínio da cooperação científica e universitárias, para além de ser o principal destino da emigração (meio milhão de cidadãos portugueses).

Durante os anos de Tony Blair, o mais europeísta dos primeiros-ministros britânicos, o Reino Unido aumentou exponencialmente a sua influência em Bruxelas e a sua “terceira via” teve um impacte assinalável em alguns governos europeus. Blair esteve também na base da “estratégia de Lisboa” que António Guterres faz aprovar em 2000, durante a presidência portuguesa da União. A crise do euro e a Grande Recessão haveriam de abanar muitos dos equilíbrios internos da Europa, abrindo as portas ao nacionalismo antieuropeu dos britânicos.

É este o ponto de partida da diplomacia portuguesa, que não tenciona ficar parada. Para Portugal, “o ideal seria um soft ‘Brexit’”, disse ao PÚBLICO um diplomata português, mas não pode deixar de alinhar com a maioria dos seus parceiros europeus no sentido de que Londres não pode ficar “com o melhor de dois mundos.” Se assim fosse, seria um incentivo a outras eventuais saídas, que acabariam por destruir a Europa.

Em princípio, as linhas ditas “ofensivas” da estratégia negocial portuguesa centram-se na livre circulação de pessoas, no acesso ao mercado britânico sem entraves, na conquista de instituições europeias sediadas no Reino Unido (por exemplo, a Agência do Medicamento), mas também a atracção das empresas que prefiram deslocar-se para um país membro da União. O próprio ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, numa entrevista à RTP, confirmou que já há contactos em andamento para este último objectivo.

A outra questão relevante diz respeito à contribuição britânica para o Orçamento comunitário. Portugal vai insistir em que essa contribuição tem de manter-se até ao fim do actual exercício, em 2020, mas também defende um pagamento constante para os cofres de Bruxelas, como tem, por exemplo, a Noruega, para poder aceder livremente ao Mercado Interno. A saída britânica vai implicar uma redução do orçamento comunitário. Este é um dossier que o governo vai acompanhar com grande atenção.

Outras preocupações nacionais de natureza estratégica passam pelo aprofundamento da agenda transatlântica da UE, evitando uma política europeia de defesa que sejam prejudicial à NATO.

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