Pazes ou submissão?

Será que a humilhação não explicitada da Turquia pela Rússia fomentou o recente golpe de estado?

Erdogan visitou Moscovo para encontrar-se com Putin. Semanas antes, em carta dirigida ao Kremlin, Erdogan pediu desculpa a Putin pelo abate do caça russo. Alguns especialistas em assuntos internacionais acreditam, ingenuamente, que este rapprochement inesperado deve-se a uma epifania materialista que bafejou os dois líderes. Segundo esta teoria, o Czar e o Sultão compreenderam finalmente que os interesses económicos compartilhados pela Rússia e Turquia falam mais alto do que os egos políticos, induzindo assim uma reconciliação pragmática.

Esta interpretação parece-me pouco credível. Nos dias e semanas após o fatídico incidente, a Força Aérea Russa violou o espaço aéreo Turco inúmeras vezes. As violações da soberania Turca continuaram e não se limitaram a transgressões aéreas. Seguindo escrupulosamente as directrizes da doutrina da "guerra híbrida", tão claramente explicitadas na Crimeia, Estónia e Ossétia do Sul/Geórgia, a Rússia iniciou um devastador ciber-ataque contra a Turquia. Milhares de sites bancários foram comprometidos e suspensos, tal como servers estatais e e-mails de funcionários públicos. Os media turcos, sujeitos a medidas draconianas de censura e repressão estatal, pouco ou nada disseram sobre estas afrontas. O Czar e o Sultão optaram pelo silêncio. Erdogan evitou assim uma humilhação política que teria sido politicamente letal. Tivesse Putin publicitado a sua maquiavélica retaliação, o pêndulo da opinião pública turca teria oscilado para o ocidente.

Ao agir clandestinamente, Putin impediu astutamente que esta possibilidade se materializasse. Não lhe interessava atear o nacionalismo Turco mas apenas pressionar cirurgicamente Erdogan, recordando o Sultão do quão delicada e precária é a sua situação política e a da Turquia no actual contexto geoestratégico do médio-oriente. A possibilidade de os Curdos terem o Czar como aliado na sua eterna luta contra o estado Turco é um cenário que aterroriza Ancara. Julgo que seria pertinente explorar a seguinte possibilidade: será que a humilhação não explicitada da Turquia pela Rússia fomentou o recente golpe de estado? Parece-me plausível supor que sim. Os nacionalistas laicos turcos – aliados tradicionais do ocidente que há muito se opõem à crescente islamização da Turquia – sabem que a submissão do Sultão ao Czar significa, entre outras coisas, que a sobrevivência política de Erdogan e do seu ("islamismo moderado") foi assegurada.

Investigador  

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