NATO abre nova era nas relações com a Rússia

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"O período de relações frias terminou", disse Medvedev em Lisboa Foto: Marcelo del Pozo/Reuters

Medvedev veio a Lisboa aceitar "projectos concretos de cooperação" que a NATO lhe ofereceu. Foi o momento alto da cimeira mais "substancial" da história da Aliança no pós-Guerra Fria.

A NATO tinha uma "verdadeira parceria" para oferecer à Rússia. Estendeu-lhe a mão e Dimitri Medvedev veio a Lisboa apertá-la. O futuro dirá com que firmeza. Mas se houve, na grande coreografia que a Aliança Atlântica organizou em Lisboa nos últimos dois dias, um acontecimento que pode ter impacte na segurança mundial e europeia, ele foi o reset das relações entre a NATO e a Rússia. Só possível graças ao reset anunciado pelo Presidente americano há um ano, traduziu-se ontem naquilo que o secretário-geral da NATO, Anders Fogh Rasmussem, designou por "projectos concretos de cooperação".

A Rússia comprometeu-se a aumentar o apoio à NATO no Afeganistão e aceitou a oferta de cooperação no novo sistema de defesa antimíssil aprovado na cimeira da Aliança. "Transformámos uma fonte de tensão [entre a NATO e a Rússia] numa fonte de cooperação", disse Barack Obama no final da cimeira NATO-Rússia. "A Rússia sabe, para lá de qualquer dúvida, que este sistema não pode ser usado contra ela", disse Rasmussen. "Pela primeira vez na história, a NATO e a Rússia vão cooperar no domínio da defesa."

Dmitri Medvedev responde no mesmo tom. "Constatámos que o período de relações frias terminou. Olhamos para o futuro com optimismo e tentamos fomentar as relações entre a Rússia e a NATO em todos os campos." Mas deixou alguns avisos, que ainda vai ser preciso clarificar. A Rússia não quer que o novo sistema altere "o equilíbrio existente ao nível dos arsenais nucleares". Quer que a sua cooperação no sistema inclua "intercâmbio de informação e responsabilidade pela solução de alguns problemas". Moscovo não quer nem pode ser "uma mera figura decorativa no sistema de defesa antimíssil europeu".

Medvedev foi último Presidente a chegar a Lisboa, mantendo algum suspense sobre o grau de vontade de cooperação que traria consigo. Veio participar no primeiro Conselho NATO-Rússia desde a invasão da Geórgia. "Todos os sinais que deu durante os trabalhos foram positivos", disse ao PÚBLICO uma fonte da Aliança.

A NATO tinha feito o seu trabalho de casa: retirou da nova doutrina que aprovou em Lisboa qualquer resquício dos tempos da Guerra Fria e ofereceu à Rússia uma partilha na segurança europeia. A Rússia sabe que Washington e os aliados precisam dela para o Afeganistão e para o Irão. Quer em troca que a NATO deixe de insistir no seu alargamento em direcção aos países que foram antigas repúblicas soviéticas e que Moscovo considera como uma "zona de influência" vital para a sua segurança. A guerra na Geórgia foi desencadeada poucos meses depois de a NATO ter aceite o pedido de adesão de Tbilissi. E Moscovo não descansou enquanto não conseguiu anular os efeitos da "revolução laranja" na Ucrânia. Também gostaria de obter mais garantias de que não haverá um aumento das infra-estruturas militares americanas nos países da Europa de Leste que são hoje membros da Aliança e da União.

"Enorme sucesso"

A NATO negociou o seu novo "conceito" de forma a manter a ambiguidade necessária para afastar este obstáculo do caminho, mas reafirmando o "princípio da porta aberta a todas as democracias europeias". Há um limite para a parceria com Moscovo: não dar à Rússia o direito de veto sobre as decisões da Aliança.

O novo clima de cooperação entre a NATO e a Rússia acaba por ser um jogo de soma positiva também para estes países de Leste. "Eu disse ao presidente Obama que nós apoiamos esta aproximação à Rússia e esperamos que a NATO consiga um dia que a Rússia tenha um comportamento mais civilizado em relação aos seus vizinhos", declarou aqui em Lisboa o Presidente da Geórgia. Obama teve só dois encontros bilaterais: com o afegão Hamid Karzai e com o georgiano Mikheil Saakashvili.

A aproximação à Rússia foi um dos resultados mais saudados pelos aliados como um "enorme sucesso" numa cimeira que foi considerada ela própria uma sucessão de sucessos.

Foi "virada uma página". Ninguém acredita que o caminho seja fácil. As dúvidas sobre a ratificação do Start II, o tratado de redução das armas nucleares estratégicas entre os EUA e a Rússia, pelo Congresso dos Estados Unidos pairaram sobre os resultados desta cimeira. O Presidente americano fez ontem mais um apelo aos republicanos para que ratifiquem um tratado que é crucial para a segurança da América e para a segurança da Europa. "Recebi total apoio dos aliados no sentido de que o Start II é decisivo para a segurança europeia, incluindo os que são vizinhos da Rússia", disse Obama. A Europa pode ser a grande beneficiária desta nova "verdadeira parceria" que se estabeleceu com a Rússia, numa cimeira em que a Aliança não se cansou de insistir na importância das parcerias num mundo em que cada vez menos poderá agir sozinha.

Foi o momento alto de uma cimeira que Rasmussen definiu como "uma das mais substanciais" da história da Aliança no pós-guerra fria. A NATO tem uma nova doutrina, uma parceria vital com a Rússia e um calendário de retirada para a guerra, que ainda tem de concluir, no Afeganistão.

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