Maior campo de refugiados do mundo está a ser esvaziado à força

Quénia é acusado de pressionar refugiados somalis a regressarem ao país. Sob coro de críticas, líderes mundiais juntam-se na próxima semana para debater crise global.

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Vista aérea do campo de Dadaab, em Abril de 2015 Tony Karumba / AFP

Enquanto o mundo se prepara para discutir a situação dos refugiados, o maior campo do planeta está a ser esvaziado à força, fazendo vista grossa a tratados e convenções internacionais. O Governo do Quénia prometeu fechar o campo de Dadaab no próximo ano e está a forçar a saída dos milhares de somalis que lá vivem, perante a cumplicidade das Nações Unidas, denuncia a Human Rights Watch (HRW).

Vivem actualmente em Dadaab pelo menos 263 mil somalis, mas chegaram a ser mais de 500 mil as pessoas a morar no campo de refugiados mais populoso do mundo. Fugiram de um dos países mais pobres, mas é a violência exercida pelo grupo terrorista Al-Shabab que mais receiam.

O desejo do Governo queniano de fechar Dadaab não é de agora. Em 2013 foi assinado um acordo com a Somália e com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que gere o campo, para dar início ao seu encerramento. A intenção de Nairobi é que Dadaab feche por inteiro até Maio do próximo ano.

Para isso, o Governo iniciou um processo de “repatriação voluntária” para a Somália. Porém, critica a HRW, não está a ser dada uma “verdadeira escolha” aos refugiados entre permanecer ou regressar ao seu país. A organização denuncia a prática de intimidação por parte das autoridades quenianas e a falta de informação tanto sobre a real situação na Somália como sobre as opções disponíveis para quem se queira manter no Quénia.

Em resultado, milhares regressaram à Somália não de livre vontade, mas com medo de virem a ser deportados no futuro. Segundo a HRW, desde o início do processo de repatriação, em Dezembro de 2014, mais de 24 mil pessoas voltaram à Somália, dos quais 18 mil entretanto regressaram ao país vizinho. “Não há hipótese de estas saídas serem consideradas voluntárias”, diz o responsável pelos direitos dos refugiados da HRW, Bill Frelick.

A escolha que lhes é geralmente apresentada é entre o regresso imediato ao seu país, recebendo um subsídio de 400 dólares (355 euros) do ACNUR, ou a possibilidade de serem deportados à força no final do ano sem direito a qualquer indemnização. É a própria agência das Nações Unidas a reconhecer que a situação na Somália continua perigosa: “Os civis continuam a ser gravemente afectados pelo conflito, com relatos de mortos e feridos, violência sexual generalizada e violência contra crianças e mulheres, recrutamento forçado de crianças e deslocações forçadas.”

O gabinete queniano do ACNUR nega que haja repatriações forçadas. “O ACNUR não deve facilitar nenhum regresso até o Quénia garantir que aqueles com medo de voltar a casa podem continuar no Quénia”, diz Frelick.

O timing escolhido para o fecho de Dadaab não é alheio à política doméstica. O Quénia vai ter presidenciais no próximo ano e o actual Presidente, Uhuro Kenyatta, tem feito da imigração um dos temas fortes da sua campanha de reeleição. De acordo com as autoridades quenianas, o campo tornou-se num viveiro para as Al-Shabab e um posto de comércio ilegal de armamento. O Quénia tem sido palco de ataques organizados pelo grupo terrorista, como o atentado no centro comercial Westgate, em Nairobi, em 2013, que fez 67 mortos, ou o ataque à Universidade de Garissa, em Abril de 2015, em que morreram 148 pessoas, dos quais 142 estudantes.

Duas cimeiras, muitas críticas

Sob fogo, a Assembleia-Geral da ONU organiza no início da próxima semana uma cimeira para discutir a crise global de refugiados, que se estima serem mais de 21,3 milhões em todo o mundo — o número mais elevado desde a II Guerra Mundial. A iniciativa descrita como “uma oportunidade histórica para desenhar um projecto para uma melhor resposta internacional” está já a ser criticada por duas organizações de defesa dos direitos humanos.

A Amnistia Internacional afirma que o encontro está “condenado a um falhanço abjecto” enquanto a HRW descreveu a declaração final da ONU, já elaborada, como “uma oportunidade falhada para aumentar o alcance da protecção” aos refugiados.

As críticas centram-se na falta de medidas concretas previstas para a cimeira, mas, acima de tudo, na falta de solidariedade dos países mais ricos. Dos 21 milhões de refugiados em todo o mundo, apenas 14% estão instalados nos países mais desenvolvidos, enquanto há casos como o Líbano que acolhe actualmente mais de um milhão de sírios.

“A cimeira das Nações Unidas foi sabotada pelos países que agem segundo o interesse próprio, deixando milhões de refugiados em situações críticas em todo o mundo na ponta do precipício”, disse o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty. O responsável nomeia a “União Europeia, Rússia e China como aqueles que sacrificaram os direitos dos refugiados em nome do interesse nacional próprio”.

A 20 de Setembro, um dia depois da cimeira da ONU, o Presidente dos EUA, Barack Obama, organiza um encontro de líderes com o objectivo de recolher fundos para alocar a medidas de protecção de refugiados. De forma a tentar dar um exemplo, esta quarta-feira, Obama comprometeu-se a receber 110 mil refugiados durante o próximo ano — um aumento de 30% em relação aos números actuais.

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