Espanha: Primárias do PSOE sob o temor de o partido “cair na irrelevância”

Os partidos socialistas continuam a sofrer derrotas. Em Espanha estão ameaçados pela ascensão do Podemos. Há poucas ideias. Falta um projecto. E sobra a luta implacável entre facções

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Susana Díaz e Pedro Sánchez, em primeiro plano, e Patxi López, atras ANGEL DIAZ/EPA

Os militantes do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) escolhem este domingo, em eleições primárias, o seu secretário-geral, cargo vago desde a demissão de Pedro Sánchez, a 1 de Outubro de 2016. Há três concorrentes: Susana Díaz, Pedro Sánchez e Patxi López. A campanha foi dominada pelo virulento confronto entre Díaz e Sánchez. Pouco falaram de estratégias e programas. O que se joga é mais simples: quem manda no partido? A actual disputa prolonga a crise de 2016. Prevê-se uma elevada participação no voto.

O contexto é inquietante. Na Europa, os partidos socialistas dão sinais de declínio. Depois do Pasok na Grécia, os sociais-democratas holandeses afundam-se e o PS francês vê-se ameaçado de extinção, enquanto o Labour britânico se prepara para uma derrota histórica nas eleições de 8 de Junho.

Diz Patxi López: “Não há risco de cisão mas de se cair na irrelevância.” O PSOE perdeu 4,3 milhões de votos entre as eleições de 2008 e as de 2011 e mais 1,5 milhões nas eleições de 2015 e 2016, em que registou o pior resultado da sua história.

Pode o PSOE ser salvo? Muitos artigos de opinião, sobretudo na área socialista, são tremendistas e anunciam catástrofe. No El País: “O PSOE avança para o abismo” ou “Implosão via televisão”. O historiador Santos Julià evoca o passado para caracterizar a crise actual: “A doença senil do socialismo.” Refere-se à implacável luta entre facções. O economista Isidoro Tapia define o voto de hoje como “As ‘ultimárias’: o PSOE elege o precipício em que se despenha e a que velocidade.”

Em contraponto, as sondagens mantêm-se estáveis desde 2016. Um PSOE sem líder e com uma comissão gestora permanece na casa dos 20% e até subiu umas décimas nas intenções de voto. Não se verificou uma nova “hemorragia” de militantes. Mas, segundo os últimos inquéritos, é o partido com menor fidelidade de voto.

Quem vota

Nas primárias de hoje apenas votam os cerca de 178 mil militantes. Antes de novas legislativas haverá primárias abertas (ao exterior do partido) para designar o candidato à chefia do governo. Entre 16 e 18 de Junho, realiza-se o congresso federal, que definirá a linha política e elegerá a comissão executiva.

Para concorrer à liderança, os candidatos têm de apresentar os “avales” de pelo menos 5% dos militantes. Este ano, os “avales” serviram de teste pré-eleitoral. Díaz recolheu 63.610 apoios, Sánchez 57.369 e López 9.368. Díaz tem o apoio do “aparelho” e dos “barões” territoriais.

Assim, 70% dos militantes teriam já escolhido o seu campo. Não é exacto. Muitos podem, no voto secreto, mudar o apoio público. A polarização entre Diáz e Sánchez poderá, através do voto útil, drenar apoiantes de López. As sondagens atribuem o favoritismo a Sánchez.

Díaz é apoiada pelos chefes históricos: Felipe González, Alfonso Guerra, José Luís Zapatero, Alfredo Pérez Rubalcaba... a lista é longa. Representa a continuidade. Ao contrário, Sánchez tem escasso apoio no aparelho. López seria até quem melhor “uniria o partido”. Mas, como “terceiro homem”, ficou ensanduichado entre os dois “pesos pesados” que polarizam os clãs e as emoções.

Que diferenças?

A “guerra das rosas” do PSOE em 2016 foi um confronto entre linhas políticas e sobretudo entre clãs e pessoas. Díaz é a líder da mais numerosa federação do PSOE, a da Andaluzia. Nas primárias de 2014, foi ela quem manobrou para impor Sánchez, pouco conhecido no partido e tido como liberal, contra o favorito de então, Eduardo Madina, colocado mais à esquerda. Subestimou Sánchez que logo sacudiu a tutela andaluza. Era o primeiro-secretário-geral eleito pelas bases e reivindicou essa legitimidade.

Durante a crise de 2016, o secretário-geral cometeu demasiados erros e ficou num beco sem saída. Apostou em que o fracasso da investidura de Rajoy o catapultaria para o poder, através de uma maioria alternativa como o Cidadãos e o Podemos. Falhada esta aliança, teimou no “não é não” à abstenção na investidura de Rajoy: manteria a Espanha sem governo e, sobretudo, levaria a terceiras eleições que seriam uma catástrofe para o PSOE. Foram os “susanistas” quem organizou a “insurreição” no comité federal que o levou à demissão.

Chegou a hora da revanche. Sánchez era na altura um político “queimado”. Inesperadamente ressuscitou, vitimizando-se e assumindo a frustração das bases contra o aparelho e os dirigentes. Díaz recolhe apoios em maiores de 50 ou 60 anos, Sánchez tem clara supremacia entre os jovens.

E que estratégias?

O PSOE tem um fantasma: a ascensão do Podemos mudou as regras do jogo para os socialistas que, desde o declínio do Partido Comunista, se habitou a não ter concorrentes poderosos à sua esquerda. O objectivo de Pablo Iglesias é conquistar a hegemonia da esquerda, “pasoquizando” o PS. Esta semana, o Podemos apresentou uma moção de censura contra Rajoy, de modo a “entalar” o PSOE no momento das primárias. A manobra não correu bem. O seu oportunismo provocou uma forte rejeição dos socialistas.

Em Espanha há abundante literatura sobre a crise do Estado-providência, sobre os efeitos devastadores da crise mundial sobre a social-democracia ou ainda sobre a desafecção dos jovens. Os jornais dão-lhe grande atenção. Mas este debate raramente atravessa o PSOE e esteve ausente das primárias. Em plena crise da social-democracia, não há um projecto socialista para a próxima década.

As alianças só superficialmente foram discutidas. Fica a ideia de que se Sánchez for eleito se voltará para o Podemos, enquanto Díaz dará preferência ao Cidadãos. Mais patentes foram as divergências sobre a organização. Sánchez promete um partido em que serão as bases, permanentemente consultadas, a tomar as decisões. Díaz opõe-se.

Resta a questão do “faccionalismo”. O jornalista Jesús Maraña, director do diário digital InfoLibre, publicou um livro sobre os dilemas socialistas — Al fondo a la izquierda, Planeta. É pessimista quanto à unidade do partido a que, aliás pertence. A fractura no PSOE “vai continuar”. Se Sánchez vencer, não será suportado por muitos “barões”. Se ganhar Díaz, há sectores do partido e do eleitorado que não confiarão nela. Para Santos Julià, que acima referi, a guerra das facções dispostas a aniquilarem-se é hoje “a doença senil do socialismo”.     

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