Comissão especial recomenda anulação dos resultados e repetição das eleições no Haiti

O país que devia ter elegido um novo Presidente em Janeiro continua sem ter data para o acto eleitoral. Investigação à votação da primeira volta concluiu que os resultados foram deturpados por fraudes eleitorais.

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À direita, relator da comissão especial entrega as conclusões das investigações ao Presidente interino Jocelerme Privert AFP/HECTOR RETAMAL

A comissão especial que foi constituída para averiguar a legitimidade da votação na primeira volta das eleições presidenciais do Haiti, em Outubro de 2015, concluiu que os resultados apurados tinham sido deturpados por fraude e recomendou que fossem desqualificados e o escrutínio fosse repetido. “A nossa conclusão é que o processo anterior deve ser anulado e que a eleição presidencial deve ser realizada de novo”, informou o presidente da comissão especial e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, Pierre François Benoit, ao entregar o relatório final ao líder interino do Haiti, Jocelerme Privert.

As recomendações deste painel, que tem um carácter apenas consultivo, já chegaram à Comissão Nacional Eleitoral, que é quem tem a responsabilidade pela decisão final sobre os próximos passos. O país vive num limbo político depois de o mandato do anterior Presidente Michel Martelly ter expirado sem que o processo eleitoral para a sua substituição (e também para a recomposição da Assembleia Nacional) fosse concluído: para evitar o vazio de poder, o parlamento acabou por dar posse a um Governo de transição sob a tutela do líder do Senado, Jocelerme Privert, que se tornou Presidente interino com uma autoridade limitada a um prazo de 120 dias.

A polémica eleitoral no Haiti instalou-se antes mesmo da ida às urnas, a 25 de Outubro. Várias organizações e observadores internacionais foram apontados para problemas durante a campanha, mas o abalo veio com as denúncias de irregularidades e fraude na votação. A crise adensou-se com a ameaça de boicote de Jude Célestin, o candidato da oposição apurado para a disputa da segunda volta, que deveria ter acontecido no dia 25 de Janeiro – instalado o impasse, e com protestos nas ruas, a votação foi sucessivamente adiada e por fim suspensa.

Ao assumir a liderança interina do país, Jocelerme Privert comprometeu-se a realizar a segunda volta das presidenciais a 24 de Abril, o que não aconteceu. Mas outro dos seus compromissos foi cumprido, com a constituição da comissão especial para investigar as alegações de fraude na votação. O presidente da comissão eleitoral, Leopold Berlanger, escusou-se a comentar o relatório final, apresentado no início desta semana, mas disse que o estudo desse documento obrigaria à revisão do calendário que previa um regresso às urnas a 6 de Junho.

Segundo o relatório, a comissão analisou uma amostra correspondente a 25% dos boletins de voto validados, um total de 13 mil. O painel aferiu a validade da contagem e depois analisou as queixas de actos fraudulentos: as conclusões apontam para a existência de um grande número de eleitores-fantasma e identificou ainda uma série de boletins “assinados” pela mesma pessoa (o processo é de impressão digital).

“Quando começámos a aprofundar a análise, encontrámos um padrão que era de um grande número de votos que não conseguimos atribuir a um eleitor ou grupo de eleitores, e a que chamamos fantasma”, disse Pierre François Benoit à Associated Press. Também foram encontradas as mesmas impressões digitais em inúmeros boletins, entre outras indicações de que várias pessoas votaram “múltiplas vezes” em diferentes mesas de voto. "É impossível determinar se os problemas beneficiaram um candidato em particular, a fraude é generalizada", acrescentou. Para a relator da comissão especial, o seu trabalho – que descreveu como "científico" – coloca em dúvida a legitimidade do anterior processo eleitoral e dos resultados apresentados, pelo que toda a eleição deveria voltar à estaca zero.

Nas suas poucas declarações sobre a questão, o Presidente interino considerou que o mais importante era restabelecer a confiança na máquina eleitoral, de forma a impedir que a legitimidade do novo escrutínio possa ser questionada antes sequer de se contarem os votos.

Depois de ter sido questionada pela oposição, a comissão eleitoral ficou agora debaixo de fogo do partido Tet Kale, do ex-Presidente Michel Martelly e do seu delfim Jovenel Moïse, o candidato que ganhou a primeira volta e era o favorito à vitória na ronda definitiva. Os apoiantes de Moïse criticaram a constituição da comissão especial, que dizem ser inconstitucional e um “subterfúgio” de Jocelerme Privert para se manter no poder ilegalmente. “Rejeitamos estas conclusões, tal como rejeitamos a criação desta comissão. E tal como se esperava, os comissários concluíram aquilo que dava jeito ao seu mestre”, acusou o porta-voz do partido, Guichard Dore, citado pela Reuters.

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