Cidadãos têm dúvidas sobre projecto europeu que sábado faz 60 anos

A maior onda de cepticismo parece vir de França, um dos países fundadores do projecto europeu. "Sinceramente, hoje em dia não sei bem o que significa ser europeu", diz Hervé Dumoulin.

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"Juntos somos mais fortes", afirmou Chelsea Reuter, luxemburguesa Enric Vives-Rubio

A dias da celebração dos 60 anos da Comunidade Europeia, cidadãos de vários países da União admitem dificuldades em identificar-se com o projecto, dizem que há demasiados países no grupo e culpabilizam os políticos pelas crises recentes.

"Até agora, a UE tem funcionado bem, mas não gosto nada de que os alemães estejam cada vez mais a mandar nisto tudo, com ofertas de solidariedade que não são reais", afirmou à agência Lusa em Madrid Daniel Ulías, um espanhol de 30 anos que vê o futuro "muito negro". Na Porta do Sol, no coração de Madrid, António Sancho, de 37 anos, também acha que o projecto europeu "começou bem", mas adianta que "vai acabar mal".

"O problema são os políticos que temos, muito corruptos e que pensam mais neles do que nos cidadãos", explicou. Aos 75 anos, Lúcia Montero é nostálgica e não tem dúvidas em assumir que o projecto europeu "era bom". "Mas agora tenho as minhas dúvidas (...) Vejo o futuro muito negro. Há cada vez mais partidos e grupos e aumentam as dificuldades em governar um país ou a Europa", opina.

Num dos seis países fundadores da Comunidade Económica Europeia (em 1957), o Luxemburgo, a estudante Chelsea Reuter, de 20 anos, sente-se "luxemburguesa e europeia" em partes iguais. E, à semelhança do que dizem cidadãos portugueses, salienta que a pequena dimensão do seu país é justificação adicional para permanecer na UE. "É claro que há problemas e diferenças, mas a UE é importante, sobretudo para os luxemburgueses: é um país tão pequeno que a vida seria difícil sem os nossos aliados", disse à Lusa a jovem luxemburguesa, criticando a saída do Reino Unido.

"Os ingleses foram sempre difíceis, não sabem o que querem. Para mim é uma idiotice saírem, porque juntos somos mais fortes", afirmou, considerando, no entanto, que a Europa não está em risco.

Pit Schmit, contabilista luxemburguês, explica a razão pela qual não vê o 'Brexit' como "o princípio do fim" da UE. "O 'Brexit' não me assusta, é só um que sai", disse à Lusa, defendendo mesmo que "há demasiados países na UE" para que esta possa funcionar bem.

Já Georges Heirendt, de 50 anos, diz que a paz na Europa é uma das maiores conquistas da UE. "Como dizia um grande ex-primeiro-ministro luxemburguês, Jean-Claude Juncker [actual presidente da Comissão], as pessoas que têm dúvidas sobre a importância da União Europeia, ou que não sabem muito bem para que serve, deviam ir visitar cemitérios militares", recordou.

Da França - um dos seis signatários iniciais do Tratado de Roma - surgem as opiniões mais cépticas em relação à União Europeia. Na Praça da República, em Paris, Katerina Forlini, uma francesa de 41 anos com origens gregas, diz que a Europa se tornou "algo monstruoso".

"Lá diz a expressão que pior que o barulho das botas, é o silêncio das pantufas. Antigamente, identificava-me como europeia, sonhava com uma união dos povos porque tínhamos uma história e um sofrimento em comum, mas a Europa tornou-se em algo monstruoso com que não me identifico agora", realça.

Formada em Direito Europeu, Katerina afirma viver "uma real crise identitária", sublinhando que a resposta à crise dos refugiados foi "um dos maiores fracassos morais e institucionais da Europa". "Um europeu não pode fechar as portas às pessoas que estão no desespero", sentencia.

Num banco próximo, Mylan Sovanh, de 21 anos, afirma ter uma "visão utópica do que é ser europeu", ainda que "na prática não funcione". "Ser europeu é reunir várias culturas sob uma mesma bandeira, entreajudar-se, auxiliar os países-membros. Temos valores em comum, mas estamos todos divididos. Os ditos valores europeus não são respeitados pela própria Europa. Basta ver a Hungria, o Brexit ou a campanha às presidenciais francesas", defendeu o jovem técnico de som.

Hervé Dumoulin, de 45 anos, diz que o fim da identidade europeia se deve ao alargamento "a tantos países". "Sinceramente, hoje em dia não sei bem o que significa ser europeu. A Europa a 12 fazia sentido, tinha um significado histórico, político, económico, mas depois abrimos a porta a tantos países que a Europa se tornou uma grande máquina política e financeira e os Estados-membros perderam o direito à palavra e à defesa da sua própria identidade", afirmou o empresário na construção civil.

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