O Algarve vai estar três dias em “desassossego” poético

Entre os carapaus alimados, a música de Francisco Fanhais e a poesia de Teresa Rita Lopes, ainda vai haver lugar para descobrir as “paisagens literárias” da Fonte da Benémola.

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Vai haver uma incursão pela área de paisagem protegida da Fonte da Benémola Filipe Farinha/stills

Desta sexta-feira a domingo, o Festival Literário Internacional de Querença (FLIQ) vai mostrar as “paisagens literárias” na obra de Teresa Rita Lopes - uma das maiores autoridades a nível mundial da obra de Fernando Pessoa. Ao mesmo tempo, os alunos do 1º e 2º ciclos do agrupamento de escolas Padre João Cabanita vão semear poemas no jardim da Fundação Manuel Viegas Guerreiro e assim entrarão, também, no imaginário poético e no “desassossego” das palavras a flutuar aos ventos do barrocal.

O evento junta cerca de 30 escritores, críticos e outros estudiosos do universo pessoano. Teresa Rita Lopes, a homenageada desta 2ª edição do FLIQ, vai subir ao palco para revelar as suas estórias do sul. O encontro é em Querença, sede da Fundação Viegas Guerreiro (FMVG). Entre tertúlias, espectáculos musicais e conferências, haverá ainda lugar para uma caminhada pela paisagem de área protegida da Fonte da Benémola, estabelecendo “pontes literárias” com um dos sítios do Algarve ainda em estado puro.

Nesta sexta-feira, na conferência de abertura, o director do campo arqueológico de Mértola, Cláudio Torres, fará a evocação de Manuel Viegas Guerreiro a partir do tema: “Um primeiro olhar pela serra”, recordando a “infinita liberdade” de ensinar e aprender com as gentes da terra. A recepção aos convidados é feita por um grupo de 70 crianças, que darão a conhecer o “jardim literário” que conceberam entre oliveiras centenárias no espaço da Fundação.

Da primeira parte do programa destaca-se ainda a apresentação do livro: Manuel Viegas Guerreiro: Moçambique, 1957, por Luísa Martins. Duas das obras fundamentais do patrono da Fundação centram-se na etnografia de África: Os Bochimanes, de Angola, e os Macondes, de Moçambique. À noite, o jantar inclui, como manda a tradição da serra, carapaus alimados, papas de milho e favas com carne de porco. A gastronomia, recorda a directora do FLIQ, Patrícia de Jesus Palma, “ traduz sabores e saberes” que podem, também, ser apreciados entre nacos de literatura. O evento, diz a entidade promotora – Fundação MVG, pretende ser um marco no calendário cultural da região, contando com o apoio do programa “Algarve 365”, instituído pelas secretarias de Estado da Cultura e do Turismo.

O (des)conforto dos refugiados

No segundo dia, tudo gira à volta de Teresa Rita Lopes e da sua obra, centrada em Fernando Pessoa. À catedrática, junta-se Catherine Dumas, que vem de França, Manuel Alegre, José Fanha, Carlos Brito, Manuel Moya, espanhol, entre outros. O evento encerra no domingo com um painel sobre literatura e sociedade. Neste encontro vão juntar-se escritores portugueses que tiveram que viver no exílio, mas também aqueles que fizeram o percurso inverso. São dois casos que, em Portugal, encontraram um porto seguro que lhes foi negado nos seus países de origem. Daud Al Anazy fugiu à morte em Mossul, no Iraque, dentro de uma camião-cisterna e num barco que se afundou no mar. Em 2016, lançou um livro escrito a quatro mãos com a professora de português Helena Franco, onde relata esta e outras estórias. Mohammed Alanis, outro dos convidados, viu o seu Irão natal retirar-lhe a nacionalidade e vive há um ano no Algarve.

Neste painel, moderado pelo director de informação da RTP, Paulo Dentinho, vão ser discutidas as zonas de (des)conforto que se podem manifestar de diferentes formas. A escritora algarvia Teresa Rita Lopes, catedrática de literaturas comparadas da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (actualmente jubilada), também foi forçada a viver no exílio durante o Estado Novo. “É ela quem primeiro leva, enquanto investigadora, Fernando Pessoa para o estrangeiro e lhe dá visibilidade mundial”, sublinha Patrícia de Jesus Palma, investigadora na Universidade Nova. A conferência de abertura do último dia do evento é subordinada ao tema “Leitura, Literatura e Liberdade” , proferida pelo reitor da Universidade do Algarve, António Branco, seguida de um concerto com Francisco Fanhais.

A cor e cheiro das palavras

No passeio pela Fonte Benémola, o agrónomo João Costa irá dar a conhecer o mosaico da flora mediterrânica que se estende pelos montes e vales desta zona do barrocal, onde nasce o maior aquífero do Algarve. Por sua vez, Patrícia de Jesus Palma conduz os visitantes pelas “paisagens literárias”, junto à ribeira, revelando recantos com cheiros e cores das palavras. As orquídeas selvagens, nos montes em redor, dão as boas-vindas à Primavera e aos visitantes.

Ainda integrado no programa do FLIQ, Telma Veríssima expõe, em Querença, imagens da desertificação do Algarve e do despovoado. Do nordeste algarvio (Alcoutim) até à costa vicentina, a fotógrafa recolheu imagens de uma região que encerra no seu interior os dramas de pessoas entregues a si próprias e à natureza. A ideia de desenvolver este trabalho partiu de uma notícia que leu sobre desertificação. O que estava escrito, diz, “pareceu-me uma réplica de uma outra reportagem, que lera 20 anos antes”. Agarrou na máquina e foi captar os sinais que mostram um Algarve a desmoronar-se pedra a pedra, com a esteva a invadir os antigos campos de cultivo. A mostra vai estar na Assembleia da República, entre 7 e 14 de Julho.

 

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